Vamos dar continuidade a matéria sobre os jogos narrativos de Avery Mcdaldno, e sua imensa contribuição para este segmento do RPG.
Ok,
muitos que conhecem jogos independentes (termo também difícil de definir…) já a
conhecem e já sabem do que estamos falando, mas vamos lá. Avery faz jogos
densos, sobre escolhas significativas e, com mecânicas simples e premissas bem
trabalhadas, fazem você e seu grupo de jogo pensarem bastante sobre coisas que
se apresentam nas nossas vidas, como mudança, criação coletiva de alguma coisa,
repressão estatal e direitos civis, sexualidade, intolerância e segurança nas
mesas de jogo. Basta ler qualquer jogo da autora para observar a grande
preocupação que ela possui em ser entendida, em comunicar bem, em quase abraçar
quem estiver lendo seus jogos. Apenas para ilustrar, no Perfect Unrevised há
uma grande seção destinada a conversar com novatos, veteranos em jogos
narrativos, a tratar a violência, a utilizar as técnicas de linhas e véus
(presentes em vários jogos, como no Violentina de Eduardo Caetano, por exemplo). Ou seja, há um real carinho em torno da
criação e publicação de jogos. E isto se faz muito necessário em ambientes
tóxicos que se reproduzem na cena de jogos analógicos no Brasil.
The Deep Forest |
Mas
ainda tem mais, e nem estou falando de The Deep Forest que adapta The Quiet Year para uma perspectiva pós-colonial em um trabalho
conjunto de Avery com Mark Diaz Truman (autor de Urban Shadows, Cartel e Our
Last Best Hope, entre outros) que coloca os jogadores no papel de monstros que
foram devastados por humanos. Aqui a perspectiva não é humana, mas de seres
vistos como “bestiais”, mas que na verdade possuem organizações sociais
particulares. Um baita questionamento sobre etnicidade, por exemplo.
Mas
chegamos até aqui e talvez o mais importante não foi apresentado: algo sobre a
autoria. Avery já foi Joe Mcdaldno. Avery é uma autora que não apenas discute
(e muito bem) representação mas ela busca o questionamento da normatividade no seu design de jogos, uma
extensão de sua própria ação social. Ué, mas esta postagem não em um blog de
jogos, em um blog de RPG e demais jogos analógicos? O que esse papo estranho
está fazendo aqui? Ele tem de estar aqui. E vamos lá.
Há
algum tempo temos situações muito complicadas na “cena nerd” (outro termo
péssimo) e normalmente há reverberações coercitivas e punitivas (algo
necessário, aliás), mas não observo o sublinhar em boas ações que visam ingame
trabalhar a diversidade social que se defende. Ainda há os mesmos grupos
trabalhando sobre temas ditos “genéricos” que insistem em nem ao menos
representar outros grupos sociais. Mas o que falamos aqui é mais que
representar, é ter mulheres, negros, pessoas trans e toda a beleza da
pluralidade que compõe nossa sociedade não como ilustração em páginas, mas
produzindo, ganhando notoriedade e inserindo nas mecânicas e temáticas dos
jogos tais questionamentos (recomendo muito os slides que Avery fez, estão no
último link que postei, no início deste parágrafo). Logo, conhecer e jogar os
jogos da autora são importantes como motores para a ação constante de promover
jogos seguros e que prezem pela diversidade.
Bem,
e se você explorar o site da autora ainda terá acesso a comentários de outros
desenvolvedores, vai se surpreender pois vários destes jogos incríveis são
GRATUITOS ou bem baratos e vai ter acesso a adaptações dos jogos para outros
cenários (os hacks). Só para você ter uma ideia, há um hack do
Ribbon Drive chamado Slashed to Ribbons que tem como proposta de transportar
para filmes de terror do gênero Slasher, como Sexta-Feira 13. E sim, eu
sempre darei uma atenção especial ao horror e ao terror, meu quinhão de mais
apreço.
Monsterhearts |
Mas
Avery não está muito distante de nós. Muitos conhecem seu trabalho por
Monsterhearts,
um jogo sobre sexualidade e amadurecimento no qual os jogadores se colocam no
papel de monstros e emulam séries como Teen Wolf, por exemplo. Mas ela ainda
está mais próxima de nós. Dream Askew, um jogo narrativo sem mestre e sem dados
sobre o apocalipse Queer com escolhas difíceis a serem tomadas em um mundo sem
recursos chegará ao Brasil ainda este ano, em uma ação de tradução e edição
conjunta entre o Livro dos Espelhos e o Inseto Vermelho. Vale parabenizar a iniciativa de Alan Silva (autor de Cachorros Samurais,
Veridiana e Erótica, que já trouxe o Teen Witch da mesma autora) e Eva Morrisey
(tradutora e revisora de títulos como Numenera e membro da Corte de Copas) por trazer este jogo justamente no momento em que estamos passando.
Então que
joguemos um pouco mais jogos que significam,e espero que tenham gostado!
Jorge dos Santos Valpaços |
Não conhecia, gostei muito da sua publicação.
ResponderExcluirOlá amigas e amigos, tudo bom? Bem, sou o autor do texto acima e vale a pena algumas considerações adicionais, pois o escrevi há algum tempo atrás. Ele foi passado faz alguns meses e está sendo postado em partes, pouco a pouco.
ResponderExcluirBem, seguem os comentários.
1. Avery assina atualmente como Avery Alder e não mais como Avery Mcdaldno. É um ponto importante por vários aspectos.
2. Monsterhearts encontra-se com a segunda edição em um processo de financiamento coletivo. Segue o link para o mesmo -
https://www.kickstarter.com/projects/averyalder/monsterhearts-2