quarta-feira, 15 de julho de 2009

KULT - DEATH IS ONLY THE BEGINNING


Lançada nos E.U.A EM 1991, esta tradução de um obscuro rpg sueco se tornou um dos jogos mais comentados e menos jogados nas mesas brasileiras. Me lembro de ter tido o primeiro contato com este jogo, no ano de 1993, através de uma coluna sobre rpg que era publicada semanalmente no jornal O Globo (já houve um tempo em que jornalistas não tinham medo dessas coisas). Na época minha bilbioteca de jogos se resumia a uma xerox de Chill e outra de Call of Cthulhu. A resenha me despertou um interesse imediato. Fiquei vários meses atrás deste livro até que, um belo dia, morri numa exorbitância de grana (nem me lembro quanto) quando encontrei uma edição lacradinha na saudosa Banca do Osni (ela ainda existe, mas não vende mais rpg).

Tirando estas observações saudosistas, que apenas servem de mote para especulações sobre minha idade (que, vocês podem ter certeza, é quase a metade da idade do Brega), este foi o meu rpg favorito ao longo de toda a minha vida de rpgista. Kult é um jogo obrigatório para quem gosta de rpg's de terror. É um pouco cruel dizer que ele é mais do que recomendado para uma geração que tem chances mínimas de por a mão neste livro (a não ser que se conheça um rpgista com mas de trinta ou se baixe os poucos pdf's emporcalhados que existem on-line). Mas, infelizmente, o mercado não foi muito justo com este fantástico produto.

AMBIENTAÇÃO
Kult possui uma das ambientações mais assustadoras e bem boladas que já se viu em jogo de horror. Nela, a raça humana sofreu um duro golpe do criador do mundo, O Demiurgo, que retirou de nós um aspecto de divindade ancestral e nos transformou nos seres humanos que agora somos: criaturas frágeis e descompensadas que vivem tancafiadas em uma ilusão criada para evitar que retornemos à Metrópolis - Grande Cidade, nosso lar originário e usurpado de nós em eras passadas.

Mas Demiurgo despareceu e foi dado por morto. Sua cidadela em Metrópolis se tornou um vasto abismo que nem mesmo Astaroth - O Senhor do Inferno foi capaz de perscrutar. Com o desaparecimento do grande criador, sua ilusão forjada para nos aprisionar começa a falhar, e nós, tontas criaturas, habitantes em um mundo de relativo conforto, passamos a nos confrontar com a inquietante realidade por trás das aparências.

A partir deste mote o livro nos apresenta um panteão de deuses e critauras cuja a função varia entre nos manter na ilusão ou nos livrar dela, além de uns tantos outros seres cujo o único propósito é nos atormentar. Mas nem todos os temas do jogo giram em torno deste mote central. É perfeitamente possível criar aventuras de horror clássico tendo o meta-plot apenas como pano de fundo (assim como em CoC). A ambientação é muito ampla e inclui vários planos de realidade como Metrópolis - A Cidade Original, o Inferno e os Purgatórios Pessoais (que podem ser contidos em um simples apartamento), Elysium - A llusão (nosso mundo do dia a dia), O Mundo dos Sonhos (onde coisas piores que Freddy Krueger espreitam), O Labirinto (uma passagem entre mundos que pode nos levar ao encontro do Nada Absoluto) e Gaia - A Selva Primordial.

Dentre outros detalhes, o jogo nos traz um capítulo falando apenas sobre perversões sexuais com idéias para antagonistas e aventuras envolvendo as coisas mais ultrajantes que possam passar pela cabeça. Esta é uma das partes mais difíceis de se usar como tema de jogo, pois é raro encontrar jogadores que sejam suficientemente maduros ou que estejam dispostos a lidar com uma tema tão delicado quanto sexualidade, ainda mais em um rpg de horror.

CRIAÇÃO DE PERSONAGEM
Kult dá uma liberdade enorme para a criação de personagens. O jogador pode escolher ser um bom e respeitável pai de família, levando uma vidinha mundana com problemas mundanos. Mas se o jogador escolher, ele pode fazer com que este sujeito abuse sexualmente de sua filha mais nova quando ninguém está olhando. Este é o sistema de Dark Secrets.

Os Dark Secrets representam um regra opcional (e quase sempre usada) onde se tem a permissão de criar um ser humano normal, mas com um lado obscuro que o afeta mental, física ou socialmente, podendo atormentá-lo e prejudicá-lo ao longo da campanha. Estes segredos podem ser mundanos: você pode ser um assassino serial, um estuprador de crianças, um padre canibal, um médico carniceiro, uma pessoa que foi violentada na infância, uma cobaia de experiências médicas que deram errado, um sujeito perseguido pelo crime organizado e etc. Ou podem ser sobrenaturais: um artista com um pacto com o demo, uma virgem que foi vítima de rituais macabros, um policial assombrado pelos fantasmas dos bandidos que matou, um nerd que foi abduzido por forças estranhas (só os nerds são abduzidos por forças estranhas, já repararam nisso?), entre outras coisas.

Além de personagens humanos, saudáveis ou não, há uma regra especial do jogo que permite que se construam personagens não tão humanos assim. São as Crianças da Noite, seres que mantém parte de sua humanidade mas que possuem aquele pé no sobrenatural. Podem ser vampiros, homens-fera, devoradores de almas, pessoas com deformações abomináveis que lhe garantem poderes, filhos de criaturas do inferno e por aí vai...

A liberdade de criação é muito grande, porém o número de personagens disponíveis acaba sempre limitado ao estilo da campanha que se está jogando. Apesar dos personagens serem os mais variados, a incompatibilidade entre eles e entre o tema da aventura pode ser muito grande também. Isso dificulta um pouco as coisas e impõe barreiras a serem respeitadas na hora do preenchimento das fichas.

O SISTEMA
Kult usa apenas um d20 para resolver todas a situações. Apesar disso o sistema não tem absolutamente nada a ver com o famoso D20 e suas variações. A única semelhança se encontra na escala de valores dos atributos e das habilidades.

Não se trata de um jogo heróico. O combate segue a inspiração de Call of Cthulhu: é extremamente letal. Mas, ao contrário de CoC, a letalidade aqui é uma via de mão dupla. Os jogadores tem a chance de derrotar a maior parte dos inimigos, se eles tiverem sorte, mas os inimigos, sem precisar de muita sorte assim, podem transformar os personagens em patê num único round. Isso se deve a um sistema de dano que assume ser possível matar qualquer um com uma faca de manteiga, desde que se acerte um ponto vital de forma vigorosa.

No entanto o grande charme do sistema está no brilhante Terror Throw. Trata-se do equivalente à regra de Sanidade em CoC. Aqui o jogador possui um equilíbrio mental que pode ser afetado pelas situações escabrosas. Mas o resultado não implica apenas em uma perda de sanidade ou um surto de pânico. O Terror Throw é o gatilho para que a ilusão que nos aprisiona seja desfeita e, através de uma regra mecânica, o andamento da história é profundamente modificado. Neste caso o mestre é forçado a improvisar em cima dos detalhes de cada personagem e de sua própria aventura, uma vez que, ao falharem no TT, os personagens ficam submetidos às suas desvantagens e passam a ser assombrados pelos seus Dark Secrets e pelos demônios que surgem com a quebra da ilusão.

Este sistema de sanidade singular tem o mérito de incluir a sensação de medo e os encontros mais apavorantes na própria estrutura mecânica do jogo. Mas ele torna Kult um dos jogos mais difíceis de serem mestrados, apesar da lógica de pontos e rolamento de dados ser bem simples. As primeiras aventuras que mestrei foram árduas para conduzir, mas aos poucos eu fui me acostumando. Hoje posso dizer que eu aprendi a mestar descascando os abacaxis e as situações inusitadas que sempre apareciam nas minhas mesas de Kult, e garanto, foi uma puta escola.

Paulo Jr.

6 comentários:

  1. Caraca, eu PRECISO jogar isso rs :) Nunca tinha ouvido falar desse rpg. Brigadão pelo post Paulo, agora só falta você também fazer um do CoC.
    Grande araço!

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  2. L.P.
    É possível encontar pdf's desta edição no e-mule. Eles não tem uma qualidade muito boa, mas são a única opção para um jogo que já saiu de linha há muito tempo.
    Existem duas edições posteriores a esta que eu comentei. Elas não são muito boas pois não trazem o mesmo charme do original. Prefira a edição clássica com o subtítulo Death is only the beginning.

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  3. oi colega, sevc possuir o kult e puder me arrumar uma copia, por favor entre em contato.

    estou atras de uma xerox desse troço a tempos.

    paulomontini@hotmail.com

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  4. "O jogador pode escolher ser um bom e respeitável pai de família, levando uma vidinha mundana com problemas mundanos. Mas se o jogador escolher, ele pode fazer com que este sujeito abuse sexualmente de sua filha mais nova quando ninguém está olhando."

    Da 1ª edição de Kult:

    "No se admiten como PJs ni asesinos sexuales ni a pedófilos." (versão espanhola (pág.54))

    "Sex murderers and pedophiles should not be allowed as player characters." (versão americana (pág. 42))

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  5. Vou discordar, ST25. Uma história de clima pesado pode absorver qualquer coisa, inclusive um calhorda como um ped[ófilo de personagem jogável. Tudo depende da maneira como a mesa encara isso e conduz a sessão. Longe de ser uma espécie de elogio a um sujeito desses, é exatamente a discrepância quase vomitiva de um sujeito desse tipo o que pode, em alguns casos muito especificos, tornar a história interessante. Afinal, qual o mal maior? O demônio a ser combatido ou o que habita dentro do personagem?

    O fato do livro "proibir" não significa absolutamente nada nesses casos. É uma regra que vale para a maioira das situações, mas, em casos muito específicos, pode fazer uma enorme diferença em termos de clima.

    Kult não é para jogadores inexperientes, e mesmo jogadores maduros terão, assim como em Chtullhu, digficudades com algumas histórias. É por isso que é terror psicológico pesado e não turma do Penadinho.

    É questão de cada grupo e mestre decidirem per si o que vão fazer e como conduzir uma história pesada desse naipe.

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