sábado, 19 de outubro de 2013

Além de Dungeons & Dragons, segunda parte - Horror e Fantasia: Dark Fantasy

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Fãs de O Senhor dos Anéis me perdoem (eu sou um de vocês!), mas o melhor filme de fantasia de todos os tempos é A Lenda, estrelado por Tom Cruise e dirigido por Ridley Scott. Acabei de assistir ao filme e notei, pela enésima vez, o poder de sua história – simultaneamente encantadora e terrível –, a beleza dos cenários (não há floresta mais encantada que a retratada nas primeiras partes do filme) e, naturalmente, a maestria da direção e da iluminação, marcas registradas do diretor.
Senti – pela onzentésima vez –, aquele sense of wonder (“fascinação”) de quem se vê em terras estranhas e mágicas, e, conforme o filme ganhava em ímpeto narrativo e aproximava-se do clímax, senti profundo medo e terror ao acompanhar o herói em sua descida para as profundezas e literal confronto com a Escuridão. 
“Mas que diabos isso tem a ver com RPG?”, você pode estar se perguntando. Eu respondo: tudo. Mergulhar na pele de seu personagem e/ou na narrativa do mestre de jogo ao ponto de sentir verdadeiro espanto, medo, paixão ou terror, é uma experiência que rotineiramente experimentamos ao assistir a filmes e ler livros, mas raramente ao jogar RPGs. Na verdade, isso é assunto para um outro artigo, que estarei escrevendo em breve. Relevante para este artigo é que, ao assistir ao filme, notei o quanto fiquei ansioso e aterrorizado por suas cenas finais, o que me deu inspiração para escrever sobre o assunto e eis a pauta desta segunda parte de AD&D: jogos que misturam horror e fantasia – conheçam os jogos Warhammer e EarthDawn. 

WARHAMMER



Este é o RPG baseado no famoso e excelente wargame homônimo. Trata-se do primeiro RPG com uma ambientação medieval “dark”, ao estilo do mais recente Vampiro: Idade das Trevas.
O jogo se passa no território conhecido como “Velho Mundo”. É um ambiente bastante semelhante a – quem adivinhar ganha um doce – Europa medieval, onde as forças do Caos, isto é, goblinóides, demônios e companhia, tentam corromper a tudo e a todos. A história do mundo é bem explicada num extenso capítulo dedicado exclusivamente à descrição do cenário; é uma história interessante e surpreendente, indo além da natureza fantástica medieval do cenário, especialmente no que diz respeito a uma antiga e poderosa raça e sua importância no desenvolvimento das raças comuns.
O sistema de jogo é bastante peculiar. Eu diria que se trata de um design tipicamente continental, quer dizer, Europeu (outro exemplo seria o Rolemaster). Tome-se como exemplo os 14! atributos que descrevem um personagem: Movimento, Habilidade com Armas de Mão, Habilidade com Armas de Longo Alcance, Força, Resistência, Pontos de Vida, Iniciativa, Número de Ataques, Destreza, Liderança, Inteligência, Frieza, Força de Vontade e Sociabilidade. Após determinar os atributos por rolamentos de dados, baseando-se na raça escolhida, o jogador deve optar por uma das quatro classes – guerreiro, rastreador, ladrão ou acadêmico – e, dentro da classe, determinar uma carreira pelo rolamento de 1d100, e olhe que são mais de 60 carreiras, todas ilustradas: de matador de troll a ladrão de túmulos, de aprendiz de alquimista a apanhador de ratos!
O sistema de combate reflete a natureza sinistra do cenário: neste sistema é fácil ocorrer a morte de um personagem. Aqui encontra-se outro exemplo das peculiaridades deste sistema: após o rolamento de 1d100 para avaliar o sucesso de um ataque, para descobrir qual parte do corpo do alvo foi atingida, basta inverter o número rolado no d100 (27 vira 72, por exemplo) e consultar uma tabela. Também merece destaque o excelente sistema de acertos críticos, que através de tabelas para as diferentes partes do corpo informa o efeito exato de um golpe (coisas como amputações, aleijões, morte instantânea, etc.).
O Sistema de magia, completo e expandido, além de carreiras comuns, como feiticeiro e ilusionista, também oferece carreiras que refletem melhor o cenário: demonologista e necromante.
O livro é tão completo que oferece até mesmo um capítulo onde são descritas em detalhes as construções tipicamente encontradas no Velho Mundo – templos, tavernas, hospedarias, casas de fazenda, postos de pedágio – todas acompanhadas por mapas.
No total, Warhammer é uma grande alternativa para quem não aguenta rolar mais um D20 (lá vem as pedras!). Na época em que foi lançado, foi um tremendo sucesso, tornando-se muito popular e não sem razão: é um jogo muito divertido. Pode ser encontrado apenas em inglês, em sua mais nova reencarnação, que conta com um sistema totalmente novo e muito interessante.   

EARTHDAWN



Em 1993 surgiu com grande estrondo no mercado americano o jogo Eathdawn. Publicado pela Fasa Corporation, mesma editora do jogo Shadowrun. Earthdawn foi divulgado por uma agressiva e cara campanha publicitária, chagando até mesmo a contar com propagandas em rede nacional de TV. A Fasa realmente apostava no sucesso do jogo, e não se decepcionou: foi um sucesso de crítica e público.
As campanhas de Earthdawn passam-se na província de Barsaive, uma terra devastada por criaturas planares, os “horrores”, durante o período conhecido como Flagelo. Povos e gerações inteiras nasceram e morreram na escuridão de catacumbas labirínticas. Após quatro séculos de fuga, o mundo estava pronto para reemergir para a luz: o império anão de Throal enviou para a superfície o navio voador batizado de EarthDawn (“Aurora da Terra”). Descobriu-se que o mundo não era mais aquele descrito em livros e cantado em versos; os grandes impérios e civilizações do passado não mais existiam e os povos teriam que reconstruir o mundo, enquanto heróis batalhavam com os horrores remanescentes. Este é um dos mais originais cenários de fantasia já criados: elementos de fantasia tradicional com uma pitada do gênero pós-holocausto.
Muito mais sofisticado do que os jogos de fantasia que existiam até então, Earthdawn misturou antigas fórmulas de sucesso tanto da indústria do RPG quanto do gênero fantástico, aprimorando-as e reinventando-as em conceitos inovativos que resultaram num reflorescimento momentâneo da antiga popularidade do gênero fantástico. Veja a maneira engenhosa como as famosas “dungeons”, aqui chamadas de kaerns, foram inseridas no cenário: aqui, realmente um motivo viável para essas masmorras pipocarem nas áreas selvagens do mundo.
Considerado o D&D dos anos 90, Earthdawn foi criado e escrito com extremo cuidado e planejamento; prova disso é o fato de sua primeira edição ser a edição definitiva. (Após o jogo ter saído de linha, foi adquirido por uma editora que chegou a publicar uma segunda edição, embora essa jamais tenha sido a intenção dos editores originais.)
Da mesma forma que o cenário, o sistema de regras tenta sintetizar os aspectos mais comuns e atrativos de sistemas bem sucedidos no gênero fantástico; por isso, os rolamentos de dados são feitos com os seis tipos básicos de dados (d4, d6, d8, d10, d12 e d20).
A criação de personagens também merece atenção. Além das raças comuns como humanos, elfos e anões, os personagens podem ser trolls e orks (que na maioria dos jogos são raças antagonistas) além de mais três raças exclusivas: os obsidmen (grandes homens de pedra), windlings (seres pequeninos parecidos com fadas aladas) e os T’skrang (raça de homens lagarto).
Em Earthdawn, ao lado das perícias comuns, os personagens possuem os chamados talentos (habilidades mágicas), que em grande parte funcionam como perícias melhoradas. Muitos desses talentos são exclusivos de cada disciplina (i.é., classe de personagem), tornando mais difícil existirem personagens com talentos  parecidos. Esse fator também causa uma sensação maior de um personagem ser único e importante, de pertencer a uma espécie de elite, uma sociedade fechada, quase secreta.
A versão original de Earthdawn possui capa dura e um padrão gráfico excelente, com mais de trinta páginas coloridas além de uma ótima diagramação. Pouco mais de um ano após seu lançamento, o livro recebeu uma nova versão com capa mole e um preço menor, mas o mesmo conteúdo. Até mesmo o formato do livro lembra as velhas e fascinantes caixas recheadas de surpresas, pois vem acompanhado de um mapa colorido e duas folhas de cartas para serem descartadas contendo itens mágicos.
Se você é daqueles que estão cansados de rolar D20 (pedras!!), Earthdawn é um ótimo candidato para a sua prateleira; esperemos apenas que um dia seja traduzido (se Shadowrun já possui uma versão em português, por que não este excelente jogo de fantasia – você sabia que o cenário de EarthDawn é o passado do cenário de Shadowrun?).


É isso. Semana que vem posto a terceira parte de AD&D – Além de Dungeons & Dragons.

Fábio Gullo

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