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Fãs de O Senhor dos Anéis me
perdoem (eu sou um de vocês!), mas o melhor filme de fantasia de todos os
tempos é A Lenda, estrelado por Tom Cruise e dirigido por Ridley Scott. Acabei
de assistir ao filme e notei, pela enésima vez, o poder de sua história –
simultaneamente encantadora e terrível –, a beleza dos cenários (não há
floresta mais encantada que a retratada nas primeiras partes do filme) e,
naturalmente, a maestria da direção e da iluminação, marcas registradas do
diretor.
Senti – pela
onzentésima vez –, aquele sense of wonder
(“fascinação”) de quem se vê em terras estranhas e mágicas, e, conforme o
filme ganhava em ímpeto narrativo e aproximava-se do clímax, senti profundo
medo e terror ao acompanhar o herói em sua descida para as profundezas e
literal confronto com a Escuridão.
“Mas que
diabos isso tem a ver com RPG?”, você pode estar se perguntando. Eu respondo:
tudo. Mergulhar na pele de seu personagem e/ou na narrativa do mestre de jogo
ao ponto de sentir verdadeiro espanto, medo, paixão ou terror, é uma
experiência que rotineiramente experimentamos ao assistir a filmes e ler livros,
mas raramente ao jogar RPGs. Na verdade, isso é assunto para um outro artigo,
que estarei escrevendo em breve. Relevante para este artigo é que, ao assistir ao filme, notei o quanto fiquei
ansioso e aterrorizado por suas cenas finais, o que me deu inspiração para
escrever sobre o assunto e eis a pauta desta segunda parte de AD&D: jogos
que misturam horror e fantasia – conheçam os jogos Warhammer e EarthDawn.
WARHAMMER
Este é o RPG
baseado no famoso e excelente wargame homônimo. Trata-se do primeiro RPG com
uma ambientação medieval “dark”, ao estilo do mais recente Vampiro: Idade das
Trevas.
O jogo se
passa no território conhecido como “Velho Mundo”. É um ambiente bastante
semelhante a – quem adivinhar ganha um doce – Europa medieval, onde as forças
do Caos, isto é, goblinóides, demônios e companhia, tentam corromper a tudo e a
todos. A história do mundo é bem explicada num extenso capítulo dedicado
exclusivamente à descrição do cenário; é uma história interessante e
surpreendente, indo além da natureza fantástica medieval do cenário,
especialmente no que diz respeito a uma antiga e poderosa raça e sua
importância no desenvolvimento das raças comuns.
O sistema de
jogo é bastante peculiar. Eu diria que se trata de um design tipicamente
continental, quer dizer, Europeu (outro exemplo seria o
Rolemaster). Tome-se como exemplo os 14! atributos que descrevem um personagem:
Movimento, Habilidade com Armas de Mão, Habilidade com Armas de Longo Alcance,
Força, Resistência, Pontos de Vida, Iniciativa, Número de Ataques, Destreza,
Liderança, Inteligência, Frieza, Força de Vontade e Sociabilidade. Após
determinar os atributos por rolamentos de dados, baseando-se na raça escolhida,
o jogador deve optar por uma das quatro classes – guerreiro, rastreador, ladrão
ou acadêmico – e, dentro da classe, determinar uma carreira pelo rolamento de
1d100, e olhe que são mais de 60 carreiras, todas ilustradas: de matador de
troll a ladrão de túmulos, de aprendiz de alquimista a apanhador de ratos!
O sistema de
combate reflete a natureza sinistra do cenário: neste sistema é fácil ocorrer a
morte de um personagem. Aqui encontra-se outro exemplo das peculiaridades deste
sistema: após o rolamento de 1d100 para avaliar o sucesso de um ataque, para
descobrir qual parte do corpo do alvo foi atingida, basta inverter o número
rolado no d100 (27 vira 72, por exemplo) e consultar uma tabela. Também merece
destaque o excelente sistema de acertos críticos, que através de tabelas para
as diferentes partes do corpo informa o efeito exato de um golpe (coisas como
amputações, aleijões, morte instantânea, etc.).
O Sistema de
magia, completo e expandido, além de carreiras comuns, como feiticeiro e
ilusionista, também oferece carreiras que refletem melhor o cenário:
demonologista e necromante.
O livro é tão
completo que oferece até mesmo um capítulo onde são descritas em detalhes as
construções tipicamente encontradas no Velho Mundo – templos, tavernas,
hospedarias, casas de fazenda, postos de pedágio – todas acompanhadas por
mapas.
No total,
Warhammer é uma grande alternativa para quem não aguenta rolar mais um D20 (lá
vem as pedras!). Na época em que foi lançado, foi um tremendo sucesso,
tornando-se muito popular e não sem razão: é um jogo muito divertido. Pode ser
encontrado apenas em inglês, em sua mais nova reencarnação, que conta com um
sistema totalmente novo e muito interessante.
EARTHDAWN
Em 1993 surgiu com grande estrondo no mercado americano o
jogo Eathdawn. Publicado pela Fasa Corporation, mesma editora do jogo Shadowrun.
Earthdawn foi divulgado por uma agressiva e cara campanha publicitária,
chagando até mesmo a contar com propagandas em rede nacional de TV. A Fasa
realmente apostava no sucesso do jogo, e não se decepcionou: foi um sucesso de
crítica e público.
As campanhas de Earthdawn passam-se na província de
Barsaive, uma terra devastada por criaturas planares, os “horrores”, durante o
período conhecido como Flagelo. Povos e gerações inteiras nasceram e morreram na
escuridão de catacumbas labirínticas. Após quatro séculos de fuga, o mundo
estava pronto para reemergir para a luz: o império anão de Throal enviou para a
superfície o navio voador batizado de EarthDawn (“Aurora da Terra”).
Descobriu-se que o mundo não era mais aquele descrito em livros e cantado em
versos; os grandes impérios e civilizações do passado não mais existiam e os
povos teriam que reconstruir o mundo, enquanto heróis batalhavam com os
horrores remanescentes. Este é um dos mais originais cenários de fantasia já
criados: elementos de fantasia tradicional com uma pitada do gênero
pós-holocausto.
Muito mais sofisticado do que os jogos de fantasia que
existiam até então, Earthdawn misturou antigas fórmulas de sucesso tanto da
indústria do RPG quanto do gênero fantástico, aprimorando-as e reinventando-as
em conceitos inovativos que resultaram num reflorescimento momentâneo da antiga
popularidade do gênero fantástico. Veja a maneira engenhosa como as famosas
“dungeons”, aqui chamadas de kaerns, foram inseridas no cenário: aqui,
realmente há um motivo viável para
essas masmorras pipocarem nas áreas selvagens do mundo.
Considerado o D&D dos anos 90, Earthdawn foi criado e
escrito com extremo cuidado e planejamento; prova disso é o fato de sua
primeira edição ser a edição definitiva. (Após o jogo ter saído de linha, foi
adquirido por uma editora que chegou a publicar uma segunda edição, embora essa
jamais tenha sido a intenção dos editores originais.)
Da mesma forma que o cenário, o sistema de regras tenta
sintetizar os aspectos mais comuns e atrativos de sistemas bem sucedidos no
gênero fantástico; por isso, os rolamentos de dados são feitos com os seis
tipos básicos de dados (d4, d6, d8, d10, d12 e d20).
A criação de personagens também merece atenção. Além das
raças comuns como humanos, elfos e anões, os personagens podem ser trolls e
orks (que na maioria dos jogos são raças antagonistas) além de mais três raças
exclusivas: os obsidmen (grandes homens de pedra), windlings (seres pequeninos
parecidos com fadas aladas) e os T’skrang (raça de homens lagarto).
Em Earthdawn, ao lado das perícias comuns, os personagens
possuem os chamados talentos (habilidades mágicas), que em grande parte
funcionam como perícias melhoradas. Muitos desses talentos são exclusivos de
cada disciplina (i.é., classe de personagem), tornando mais difícil existirem
personagens com talentos parecidos. Esse
fator também causa uma sensação maior de um personagem ser único e importante,
de pertencer a uma espécie de elite, uma sociedade fechada, quase secreta.
A versão original de Earthdawn possui capa dura e um
padrão gráfico excelente, com mais de trinta páginas coloridas além de uma
ótima diagramação. Pouco mais de um ano após seu lançamento, o livro recebeu
uma nova versão com capa mole e um preço menor, mas o mesmo conteúdo. Até mesmo
o formato do livro lembra as velhas e fascinantes caixas recheadas de
surpresas, pois vem acompanhado de um mapa colorido e duas folhas de cartas
para serem descartadas contendo itens mágicos.
Se você é daqueles que estão cansados de rolar D20
(pedras!!), Earthdawn é um ótimo candidato para a sua prateleira; esperemos
apenas que um dia seja traduzido (se Shadowrun já possui uma versão em
português, por que não este excelente jogo de fantasia – você sabia que o
cenário de EarthDawn é o passado do cenário de Shadowrun?).
É isso. Semana que vem posto a terceira parte de AD&D
– Além de Dungeons & Dragons.
Fábio Gullo
Fábio Gullo
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