domingo, 1 de agosto de 2010

Resenha de Trail of Cthulhu - 1ª Parte


Finalmente consegui terminar a resenha de Trail of Cthulhu do jeito que eu acho que merece ser feita, ou seja, enorme.

Mas isto cria o problema de logística de a resenha ser muito grande para colocar em um tópico só. Assim vou dividi-la em partes e postar toda semana, preferencialmente às quartas-feiras.

A resenha também deve sair em revista lançada pela RetroPunk Game Design. Porém, é bom deixar claro, que não tenho nenhuma ligação com a empresa, e apesar de ter tido contato com Guilherme Moraes, seu representante, este sempre foi apenas por via eletrônica, e na esfera do bate-papo informal sobre o hobby.

Recentemente eles me pediram uma opinião informal sobre a tradução, mas até hoje estou devendo a eles uma resposta completa.

Esse lenga-lenga todo, é apenas para deixar bem claro que não tenho nenhum interesse escuso ao fazer essa resenha, que já estava prometida antes mesmo de se falar em tradução.

E também deixo claro que a resenha que ora publico não é sobre o livro traduzido, mas apenas sobre o livro original.

Sendo assim, apresento a primeira parte da resenha:

Resenha de Trail of Cthulhu.

Trail of Cthulhu, doravante ToC é um RPG lançado pela Pelgrane Press, de autoria de Kenneth Hite, que usa o sistema Gumshoe, de Robin Laws.

O objetivo, nas palavras do autor, é adaptar “o melhor RPG de todos os tempos”, Call of Cthulhu (doravante CoC), para o sistema Gumshoe. Ao contrário do sistema original, o Gumshoe é especialmente voltado para jogos onde a investigação é o tema central. Para fins desta resenha, vou considerar que o leitor tem alguma familiaridade com o CoC e a obra de Lovecraft.

Para fazer a resenha, traduzi alguns termos do jogo livremente. Obviamente, isto não quer dizer que estes termos correspondam à tradução oficial do livro, já divulgada.

Apresentação

O livro tem 247 páginas ricamente ilustradas. O papel é de boa qualidade, seguindo o padrão das editoras de grande porte. A Pelgrane Press deu às páginas um aspecto não tanto de envelhecido, mas de manchado, como se o livro fosse um tomo lançado e esquecido em um canto, sofrendo a ação da umidade.

O livro tem capa dura, ilustrada, com a imagem de um grupo de prováveis investigadores na frente, encontrando um corpo à beira d’água, enquanto uma criatura misteriosa se esgueira por perto, sem ser vista. Na contracapa, um explorador prepara-se para adentrar um edifício de proporções titânicas.

O texto é apresentado em três colunas, de fácil leitura, dividido por linhas verticais de cor parecida com bronze envelhecido. Por várias vezes, o texto é interrompido por boxes explicativos, que tratam de algum assunto incidental, mas pertinente ao que se discute naquela página. A cor das bordas dos boxes é a mesma das linhas verticais.

A arte é toda de Jerome Hugenin, e é de muito boa qualidade. Além disto, o fato de toda a arte ser do mesmo artista dá um toque de coesão ao jogo. Para mim, Hugenin e ToC tornaram-se indissociáveis.

Ao longo do livro, há citações a trechos de obras de Lovecraft, referentes ao ponto que está sendo discutido no trecho principal, ilustrando e contribuindo em muito para o clima do jogo.

O livro tem aparência de sólido, mas as páginas do meu estão bem abertas, apesar de eu usar o jogo apenas para aventuras isoladas. Fica a dúvida se, caso eu o utilizasse como meu principal jogo, as páginas não teriam soltado.

Introdução

Na introdução, Hite explica sua intenção de adaptar o CoC e explica porque acha válido fazê-lo. É um ponto a favor do livro, pois ao saber qual a intenção do autor, os mestres de jogo passam a ter uma compreensão melhor do cenário e do sistema, bem como de como adaptá-los às necessidades de seu grupo. A história do RPG tem vários exemplos de adaptações grotescas de regras mal compreendidas. No box da introdução, os conceitos principais do jogo são resumidos, preparando o leitor para compreender o que virá.

Também na introdução, Hite afirma que o jogo pode ser utilizado em dois estilos, Pulp, onde as aventuras têm mais ação, e a sanidade e a morte não são tão certas, e Purist, onde o desvendar do mistério condena o Investigador no campo físico e espiritual.

Os dois estilos possuem regras ligeiramente diversas, e a partir daqui Hite marca com símbolos os pontos em que uma regra é mais adequada a um tipo específico de campanha. Também se trata de uma boa idéia, pois RPGs são antes de tudo, livros de referência, e quanto mais “mastigado” estiver o texto, mais fluido será o desenrolar da campanha. No entanto, a escolha dos símbolos deixa a desejar. Eles não chegam a ser parecidos, mas são tão abstratos que é difícil guardar a que se referem, especialmente para quem utiliza o ToC apenas para jogos isolados, e não campanhas. Assim, muito de sua intenção original se perde.

Não há aqui a clássica explicação d’O Que é RPG, o que revela tratar-se de um jogo voltado para os mais experientes.

O Investigador

Este capítulo trata da criação de personagem e começa com um box com o resumo dela, e com as Occupations (ocupações) das personagens, aqui chamados, segundo a tradição do CoC: Investigadores. Occupations correspondem ao que a personagem fazia antes de se tornar um Investigador. Em um box, as mesmas estão listadas, com o símbolo de Purist próximo daquelas típicas dos textos de Lovecraft.

As Occupations definem algumas habilidades (Occupational Abilities) que podem ser compradas por um custo menor, e regras especiais que se referem aquela Occupation. Por exemplo, em relação às habilidades, o Arqueologist (arqueólogo) aprende línguas com mais facilidade, enquanto o Hobo (vagabundo) tem uma percepção maior para sentir quando as coisas vão para o brejo (Sense Trouble).

Em relação a regras especiais, de maneira geral elas se referem a meios de obter pistas que outras personagens não conseguiriam ou teriam dificuldade em conseguir; ou, ainda, acesso especial a recursos e materiais: o Police Detective (detetive de polícia) tem facilidade de acesso a instalações policiais, o Pilot (piloto) tem acesso regular a um avião, o Antiquarian (antiquário) tem acesso a itens “estranhos” lá na “lojinha”.

Por fim, as Occupations influenciam a condição social e financeira do Investigador, através da Ability Credit Rating.

Algumas Occupations tem regras próprias que variam de acordo com o estilo da Campanha: Em uma campanha Pulp, o Alienist (alienista) tem acesso a hipnotismo, por exemplo.

Há no capítulo regras rápidas para criação de novas Occupations, dando mais liberdade aos jogadores. As Occupations não constituem classes rígidas, mas apenas uma série de regras próprias para fazer uma personagem tematicamente coerente e não limitam a liberdade do jogador na criação do Investigador.

O capítulo passa então para os Drives, que são as motivações que levam os Investigadores a debruçarem-se sobre o oculto. Para cada Drive, apenas a título de sugestão, há uma curta lista de Occupations mais condizentes com ela, assim como personagens do Mythos que as teriam. Estes exemplos são todos tirados da obra lovecraftiana.

Os Drives são mais um ponto a favor do livro, pois são a explicação de porque o Investigador, confrontado com realidade do Mythos, continua investigando, e não tenta simplesmente fugir, não se envolver, e/ou esquecer o que viu.

Os Pillars of Sanity são pessoas que o investigador conhece, e que lhe servem como porto seguro em meio a loucura do Mythos.

O jogo organiza a ficha em função de habilidades que o personagem tem (Abilities), e não tem o conceito de atributos. Logo, o Investigador não tem Força, mas sim Athletics, e não tem Agilidade, mas uma série de habilidades mais específicas, como, novamente, Athletics, Firearms e Scuffling (luta), que são compradas separadamente. Assim, o jogo evita a figura do Acrobata Ninja Super-Atirador, que existe em certos sistemas, onde o fato de você saber atirar bem o transforma em um grande lutador e ginasta olímpico.

As Abilities se dividem em Investigative e General Abilities. As Investigative Abilities são as utilizadas na investigação propriamente dita, o que consiste em um sub-sistema separado do jogo, que vamos tratar adiante. São exemplos destas, Art, Law, Forensics, sendo todas destinadas a obter pistas do mistério. As General Abilities são Abilities não relacionadas a obtenção de pistas, como Scuffling, Driving e Riding.

A criação de personagem é por meio de um sistema de compra de pontos, e outra grande sacada de Hite, é o número de pontos que o Investigador tem para adquirir suas Investigative Abilities. A idéia do jogo é que este nunca vai ficar parado por falta de pistas, e uma das maneiras que Hite previne isso é dando aos jogadores um número de pontos diferente para gastar nas Investigative Abilities de acordo com o número de jogadores. Em um grupo menor, os Investigadores são construídos com mais pontos, de forma que entre eles, sempre vai haver algum que poderá encontrar a pista.

Uma regra opcional, é que um Investigador mais voltado para ação pode trocar com outro jogador Investigative Abilities por General Abilities, e vice-e-versa, o que promove, mais uma vez, maior liberdade na criação dos Investigadores.

Algumas Abilities tem regras especiais, que são utilizadas em condições específicas. Estas regras especiais são extremamente criativas, mas descer a estes pormenores sai do escopo desta resenha.


Termino aqui a primeira parte, na próxima, meu foco será o sistema e o cenário.

Igor

2 comentários:

  1. Fala Igor, cara esse sistema parece muito interessante. O que você acha dele comparando com os outros sistemas existentes do genero? CoC, Kult, NWOD, etc? Abraço

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  2. O foco do ToC é a investigação. Não conheço sistema melhor para isso. Fora isso, ele é bem genérico. Para mim é melhor que o CoC. Kult eu conheço muito por alto, e NWOD tem uma proposta diferente.

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