sexta-feira, 18 de novembro de 2011

RPG, Violência e os "D20teens"

Escrevi o texto original para a RPG Magazine  um bom tempo atrás, quando mal conhecia o Thor (não lembro se chegou a ser publicado). Era de objetivo do mesmo defender o RPG de algumas associações feitas de que o mesmo estimularia a agressividade e violência. Fiz algumas modificações no original, mas o texto, ainda que apenas uma pincelada ao tema, permanece, substancialmente, contra este tipo de preconceito aos "Jogos de Interpretação"
Abraços

RPG, Violência e os D20teens
Pedro Vitiello

Quando se discute uma atividade lúdica em grupo com um publico leigo, torna-se fundamental uma linguagem um pouco mais acessível. Pensando neste leitor tentarei usar termos o mais claro possíveis, tornando, espero, algumas das idéias defendidas aqui mais acessíveis. Boa leitura.

Da mesma forma há um certo exagero de alguns "pensadores" ao se associar a violência de jovens a temas como "Heavy Metal", jogos de computador e filmes de terror, porque a violência sempre fez parte da vida das sociedades humanas e não conheço povo que não tenha ´parte de sua história ligada a episódios de conflitos.  Há casos como o de um assassinato em Minas Gerais, na qual o RPG foi "acusado" de ser o responsável, que os assassinos entraram no tribunal carregando, alguns deles, a Bíblia, mas assim como ninguém em sã consciencia irá acusar um livro escrito há mais de 3 mil anos de ser o responsável por alguém se tornar violento por ter lido passagens do antigo testamento, não é preciso ir longe para se saber  que com outras mídias se passa  o mesmo.

Há livros, filmes e músicas indicados para cada faixa etária, e há jogos adequados para crianças, jogos adequados para adolescentes e jogos adultos, todos devidamente bem definidos em avisos de capas quando necessário.


É interessante se ressaltar como exemplo a associação entre determinados tipos de diversão e os males de toda uma sociedade. Foi assim na década de 50, quando o livro “A Sedução dos Inocentes” de Frederic Wertham, psiquiatra americano que praticamente tornou toda e qualquer história em quadrinho americana um exercício de distorção moral (fato que agradou em cheio aos Marcartistas). O fato do mesmo Frederic Wertham, ao fim de sua vida, ter aprendido a amar os quadrinhos em nada muda a perseguição e as críticas desfocadas ou falsas sobre este gênero de literatura.
RPG, por ser talvez um tipo de jogo em que as regras são um pouco mais complexas do que um jogo de cartas, por exemplo, e aonde a relação entre jogadores e com o chamado “mestre” (o nome dado ao narrador e juiz de regras de uma partida, nada mais) são fundamentais para o bom andamento do jogo, torna-o, evidentemente, a bola ocasional da vez.

O RPG nasceu de mesas de tabuleiro “war games” (parecido com xadrez mas com um tabuleiro maior e com exércitos mais númerosos e diversificados) aonde dois jogadores simulavam batalhas medievais ou modernas com seus exércitos de chumbo e plástico. Alguns jogadores começaram a querer mais interatividade em suas partidas e regras foram lentamente para a criação de personagens e combate foram lentamente desenvolvidas. Ao contrario dos “War Games” um personagem tinha individualidade e era diferente dos demais, o que requeria maior empenho na interpretação deste.

O principal atrativo dos jogos de interpretação (RPG) não é a violência. Esta era perfeitamente encontrável em grande quantidade em qualquer modelo de tabuleiro anterior, mas sim a vontade de brincar de interpretar um personagem de forma mais interessante. Violência por violência, os jogadores se ateriam ao básico, o combate e táticas, e nada precisaria ser feito além disso.

Antes de tudo é uma forma de se fazer e estreitar laços sociais. RPG é uma criação coletiva, não individual e, portanto, tem como objetivo básico, a socialização. Aprender o próprio limite e o do outro, aprender ao vivenciar diferentes papéis qual é nossa verdadeira excencia. Aprender a se divertir em grupo, a seber quando seguir e quando liderar.
 Crianças de todo o mundo brincam de “Polícia e Ladrão” e suas variáveis regionais. Estas brincadeiras não tem funções outras a não ser diversão, integração social e, eventualmente, algum aprendizado.

Uma partida de RPG não permite uso de armas verdadeiras, todo o processo é imaginativo e descritivo, não cabendo, a grosso modo, o uso de violência física para a resolução de uma cena da partida. Ou seja, é uma Regra de Ouro a proibição de contato físico violento entre dois ou mais participantes.

Um jogo de interpretação serve a uma outra função, a do aprendizado lúdico. Se você vai jogar uma aventura situada, por exemplo, no período medieval, conhecer costumes, roupas, musicas, hábitos, modos de manufatura e crenças desta época são de excelente ajuda. Não apenas do ponto de vista histórico, mas conhecer matemática e estatística em rolagem de dados (objetos que são usados em larga escala na maior parte dos jogos), ou seja, desenvolver um pouco o raciocínio matemático-lógico torna a diversão apenas mais segura. Outro fator que o RPG auxilia em termos de aprendizado é o desenvolvimento do pensamento temporal. Como muitas vezes uma partida é desenvolvida por “rounds” ou seja, por ações exaustivamente descritas, ter uma visão de causa e efeito e saber planejar o que acontecerá depois de determinada ação são capacidades que valorizadas e estimuladas em um jogo. Há um outro fator presente, relacionado a um aspecto emocional.

A adolescência (período na qual a imensa maioria dos jogadores começam a conhecer o RPG) não é apenas uma fase do desenvolvimento da personalidade de um indivíduo, mas uma junção de temores, anseios, duvidas, mudanças e buscas. Ter um grupo, participar de uma "tribo", nada mais é do que um fator absolutamente normal e esperado para esta faixa etéria a qual, como toda e qualquer tribo, tem lá suas esquisitices de expressões e idéias, mas nada diferente de uma tribo de amantes de arte, grupos jovens, roqueiros ou esportistas. É uma forma de se estabelecer quem eu sou e o que eu quero ser, e que suplantam, e muito, a partida em si. Adolescentes são o melhor exemplo de uma pessoa em transição (da criança para o adulto) e eles PRECISAM experimentar roupas, ideías e momentos diferentes para poderem se conhecer melhor e serem adultos mais felizes.

Alias, não apenas crianças e adolescentes. Todos nós passamos a vida buscando entender quem somos, e o RPG tem a função não apenas lúdica, mas também de ajudar, ainda que pouco, neste sentido.

Existem pessoas que são violentas e jogam RPG. Assim como existem torcedores de futebol violentos, grupos de adolescentes que frenquentam academias violentos, etc.
 
Mas, exatamente pela ausência de contato físico (proibido na imensa maioria dos sistemas, o jogo é meramente imaginativo), e a principal motivação de um grupo de RPG, no final das contas, a da criação de uma história conjunta, não consigo, pessoalmente, imaginar melhor tipo de tribo para um filho adolescente estar.

2 comentários:

  1. Quanto à construção de identidades, é por isso que prefiro traduzir Role-Playing Game como Jogo de Desempenho de Papéis.
    Única ressalva: Eu só não consegui me lembrar de nenhum dos exemplos da tal minoria de RPGs que aceitam contato físico.

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  2. Uma, e só uma vez ouvi falar de um que usava as regras de esgrima em uma espécie de Live-Action, usando armas emborrachadas.

    Não sei no que deu, e nem se eu ou outros RPGistas achariam aquilo um RPG. Mas achei mais justo deixar a ressalva.

    Brega.

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