segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Como uma house-rule muda uma campanha

Me pediram para preparar uma resenha para Pendragon 4th Edition, jogo que eu mestrei outro dia. Aos poucos eu vou fazendo essa resenha, mas aconteceu uma coisa no dia que eu mestrei, que vale a pena comentar, por ser mais interessante até do que a resenha em si.

As habilidades das personagens, em Pendragon, são compradas com pontos, e estes pontos são bem poucos. Assim, as personagens iniciantes são bem incompetentes. Além disto, as regras de combate são bem severas, e a derrota já no primeiro golpe não é uma possibilidade tão incomum assim. Ou seja, algo assim:





Isto sempre foi um problema para mim, porque as estórias do Rei Artur são cheias de feitos heróicos, como lutas com gigantes e discursos empolgantes. Quando Lancelot enfrenta um gigante, ele não está preocupado quais sãos os atributos do gigante. Como as personagens eram incompetentes, esses feitos não se repetiam em meus jogos, o que sempre me desanimou. Por mais que a pesquisa do jogo seja fantástica, traduzindo bem o clima da ambientação, sempre que os jogadores queriam que suas personagens realizassem feitos heróicos, os dados eram cruéis, e eles estavam fadados ao fracasso. Privilegiava-se um jogo “estratégico” que não tinha relação alguma com a fonte de inspiração do jogo.


Além disto, as personagens não eram bravas, românticas e tomadas pelas emoções, como nos romances arturianos. Afinal, se deixar levar pela emoção era perigoso, e a bravura mal empregada era severamente punida pela incompetência das personagens, somadas às mortais regras de combate.

Portanto, os meus jogos de Pendragon sempre acabavam virando um jogo político/estratégico meia-boca, pois os feitos heróicos eram perigosos demais.

O Pendragon tem uma mecânica chamada Passions, que corresponde a valores importantes da personagem, que a motivam, como a Lealdade ao lorde, ou o Amor à família, ou seja, paixões. Essas paixões podem, através de um rolamento, inspirar a personagem e, assim, ela recebe um bônus considerável em rolamentos influenciados pela inspiração. Por exemplo, caso alguém lute com um gigante para salvar sua irmã, seu Amor à Família pode ser usado para inspirar suas ações.

Porém, o livro básico dizia que o mestre não deve permitir que jogadores “abusem” do sistema, dando uma interpretação restritiva ao uso da mecânica. Eu adotei esse conselho, na minha inexperiência. Como era difícil usar, meus jogadores também costumavam ignorá-la.

Pois bem, mês passado eu mestrei Pendragon para um grupo que, em sua maioria, jamais o havia jogado. Como era uma aventura one-shot,quando o Brega me pediu para usar a Passion Hospitalidade em uma situação meio dúbia eu não me opus. Afinal, era um jogo one-shot; a idéia era apresentar as regras, e, eu pensei: “Por que não?”

A personagem foi bem sucedida na ação, devido ao bônus. Na mesma hora, vendo a enormidade do bônus, todos os jogadores passaram a querer usar suas paixões em quase todos os rolamentos.

Isto mudou completamente a forma como o jogo se desenrolou. As personagens não eram mais um grupo de estrategistas e incompetentes. Eles passaram a ser um bando de cavaleiros, inspirados por sua paixões, e que obtinham sucesso, acima de tudo, devido a inspiração trazida por estas mesmas paixões. Ou seja, como os cavaleiros da Távola Redonda.

Quando eu percebi isto, lá pelo meio do jogo, eu amentei consideravelmente o poder da oposição, algo impensável nas minhas antigas campanhas, pois acabaria necessariamente num TPK. Resultado, o jogo foi muito mais divertido, pois pela primeira vez minha mesa de Pendragon ficou parecida com os livros que eu li sobre o tema. Ou seja, algo assim:




Isso me fez pensar em como é possível que tenha gente que ache que o sistema não tem a menor influência na forma como o jogo é “jogado”. Para usar a expressão de um amigo meu, o sistema é o modelo matemático de como sua personagem interage com o cenário. Se o sistema não permite que a personagem seja bem sucedida naquilo que se espera que ela faça, obviamente após dois ou três fracassos o jogador vai parar de tentar.

Em um campanha de super-heróis os jogadores esperam poder jogar carros um sobre os outros. Em uma campanha baseada em filmes de kung-fu, os jogadores vão querer poder improvisar armas com elementos do cenário, como vassoura, a la Jackie Chan. Se no sistema escolhido fazer este tipo de coisas é extremamente difícil, é óbvio que os jogadores vão adotar outras táticas.

Se, por outro lado, o sistema facilita fazer aquilo que se espera do gênero do jogo, automaticamente os jogadores vão escolher ações que estão incorporadas àquele gênero, reforçando-o. Ou seja, a campanha vai ficar parecida com o gênero que ela está tentando emular.

Tem uma linha de pensamento no hobby, no sentido de que sistema e ambientação são duas coisas separadas. Cada vez eu me convenço mais do contrário. Sistema e ambientação, na minha concepção, são tão unidos que às vezes é até difícil separar o que é um ou outro.

Acho que essa é uma das tarefas mais importantes do mestre de RPG, e mesmo do jogador em geral. Conhecer bem o sistema, e fazer com que ele funcione de forma a facilitar que o jogo se desenrole de acordo com o tipo de campanha que o grupo (e não o mestre) espera.

É claro que vão ter aqueles que vão dizer que as personagens não tem a mesma visão meta-jogo que os jogadores, e não deveriam deixar de fazer algo condizente com a personagem, somente porque tal tipo de ação é prejudicada pelo sistema.

Com efeito, o hobby ainda tem um lado meio masoquista, onde interpretar bem é igual a se dar mal, que eu não consigo compreender. Na cabeça de certas pessoas, interpretar é o mesmo que se dar mal, e se o jogador consegue que uma desvantagem seja benéfica, tem gente que não gosta, porque ele não está jogando direito. Se você faz uma personagem cega, e ela vai mal em combate, está tudo bem. Mas se a mesma personagem cega usa isto para, por exemplo, escapar de um combate “porque ninguém vai bater no ceguinho”, tem um monte de mestre de jogo que fecha a cara.

A minha resposta é: se você tem jogadores que estão dispostos a fazer algo condizente com sua personagem, porque “puní-los” e tornar justamente esse tipo de interpretação, que deveria ser encorajada, em alguma coisa ruim? Se você quer que algo apareça muito no jogo, é melhor recompensar as personagens por isso, e deixar que os jogadores saibam o que você está fazendo.

3 comentários:

  1. Eta! Demorou mais saiu hein hehe! Nossa bateu a inspiração ehhehe, gostei muito. Também acho que sistema e ambientação são algo totalmente interligados, por isso é muito importante fazer as escolhas corretas. Sim, tb concordo que o cara que interpreta o personagem sempre deve ser valorizado. Abraço cara!

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  2. Na verdade, esse foi um estalo que me ocorreu pelo meio do jogo. Estava com isso na cabeça há muito tempo, mas não estava sabendo dar o enfoque certo.

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  3. O Texto acima, não assinado, é do Igor.

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