quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mestre Reclamão: O Dilema do Aventureiro Sem Ânimo




Conforme a gente vai tendo experiência no hobby, vai percebendo que algumas situações extremamente bizarras são muito comuns. Grande parte delas, senão a maioria, senão todas, decorre de um fetichismo de interpretação a qualquer custo, aliado, às vezes, à ignorância total sobre o gênero que o jogo se propõe a simular, ou a ideia bizarra que é o mestre que tem que se virar para que o jogo "funcione".

Uma destas situações, é o que chamo de Dilema do Aventureiro sem Ânimo. Diante de um "gancho" para aventura, ou para uma situação interessante que surge na mesa, o jogador fica inventando motivos para que sua personagem evite a aventura, a situação, ou seja, não interaja com o cenário.


Isso, na minha opinião, decorre também de uma concepção de que seja "trabalho do mestre"  encaixar todas as personagens na aventura. Normalmente, o jogador chega a negar o "gancho" dizendo: "Se você não arranjar um motivo melhor para eu ir nessa aventura, minha personagem vai ficar esperando alguma coisa acontecer".

Eu tenho uma má notícia para esse jogador.

Eu não vou arranjar outro motivo.

Não vai aparecer mais nada.


Esse não é o meu trabalho. O personagem dele vai ficar o dia inteiro assistindo o Faustão.

O mesmo eu digo para aquele jogador de Cthulhu, que fica inventando motivo para a personagem dele não correr riscos e não perder sanidade. Cara, se você está jogando Cthulhu, é justamente para ver sua personagem morrer/enlouquecer!

Você está ali para perder sanidade.

Você está ali para enfrentar o dragão.

Você está ali para ser o protagonista. Para salvar ou condenar o mundo.

Quando eu proponho uma campanha de "caçadores de tesouro" para o grupo, eu parto do princípio que as personagens feitas vão ter alguma motivação para se arriscar e conseguir o tesouro. Se eu proponho uma campanha de super-heróis, eu parto do princípio que a estória de todas as personagens incluem um motivo para combater o crime.

Fazer uma personagem minimamente viável para a campanha não é problema meu. Eu já estou criando, ou aprendendo, um cenário inteiro, e garanto que meu cenário tem a ver com o tema da campanha.

E o que é pior, o aventureiro sem ânimo acha que a aventura tem que parar, e o mestre improvisar loucamente para criar um "gancho aceitável" para a personagem dele! Enquanto isto, o resto do grupo fica parado sem nada para fazer, ou tem que embarcar em outra aventura, onde o "preguiçoso" é o centro das atenções, em detrimento dos outros. Tá maluco? vai arrumar um trabalho!

Tem gente que joga RPG pela interpretação, pelo desafio intelectual, para simplesmente estar com os amigos... mas tudo isto é apenas o aspecto mais evidente. Seja qual for o motivo pelo qual você joga RPG, o fato é que você está ali para se divertir.

E fazer com que o grupo se divirta, não é apenas obrigação do mestre. O mestre não está sendo pago para isso. Ele está ali para se divertir tanto quanto qualquer outro jogador. Então, estou pouco me importando para interpretação, ou para o fato de você não conhecer direito o gênero da campanha, e quero é me divertir e que o grupo todo se divirta. Você tem que bolar uma personagem que interaja com o cenário. Já é trabalho demais para o mestre garantir a diversão de todos, sem que haja alguém, por ação ou omissão, sabotando a diversão do grupo.

As estórias são sobre pessoas excepcionais, ou pessoas comuns em situações excepcionais. Ninguém quer interpretar as aventuras de Contador: a Nota Fiscal. Como diz uma amigo meu: "No mundo existem milhares de plantadores de abóbora. Não é sobre eles que se escrevem as grandes estórias".

Se isto não acontecer, o mestre está totalmente no direito de dizer: "Ok, enquanto você fica em casa sem fazer nada, vamos narrar a aventura das outras personagens". E ignorar a personagem "paradona" até que o jogador se toque.

Ou então: "Bom, já que seus super-heróis não estão a fim de combater um super-vilão, vamos parar por aqui, e jogar sueca".

Fala sério, se você se deu ao trabalho de fazer ficha para uma campanha, o mínimo que se pode esperar é que você quer se divertir com o tipo de aventura que existe para aquele gênero de campanha. Se diante da aventura, você decide que sua personagem não vai interagir, melhor mesmo é jogar sueca.

O que não dá para acontecer é o mestre ter que ter trabalho extra para bolar um motivo para você participar, e muito menos o grupo inteiro ficar esperando terminar toda uma narrativa extra (que normalmente toma mais de uma hora), para explicar porque seu aventureiro preguiçoso resolveu ir para aventura.

Concluindo, a diversão, que é o objetivo de todos que jogam RPG não é obrigação do mestre, ou ao menos, não só do mestre. Todos que estão jogando tem sua parcela de sua responsabilidade.

Igor






8 comentários:

  1. Finalmente textos úteis em blogs de RPG que forçam as pessoas a observarem o óbvio e que deveria ser o senso comum :D

    Parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Discordo totalmente do seu ponto de vista.

    Se você é o narrador, isso é mais problema seu do que do resto do grupo inteiro junto. Por quê? Porque você está assumindo a função de guiar todos os outros nessa história.

    O seu trabalho é planejar a história de maneira que seja divertida para todos, enquanto o papel de cada jogador é unicamente interpretar seu próprio personagem.

    1) Se o personagem de quem quer que seja não se envolve na história, é porque você não conseguiu fazer uma história consistente o bastante para envolver as motivações pessoais dos personagens, ou seja, falha sua.

    2) Se o personagem não tem absolutamente nada a ver com a proposta do jogo em questão e por isso não se envolve com nada que aparece, você não deveria ter permitido ao jogardor usar este personagem em questão. O narrador tem o direito e DEVER de limitar os tipos e propostas de personagem pra uma determinada crônica, pois a responsabilidade é dele de fazer o negócio funcionar. Ou seja, outra vez falha sua.

    3) O personagem tem uma proposta compatível, mas ainda assim não tem ganchos nem motivações pessoais a serem aproveitadas? Então este não é um personagem pronto. Personagem é mais do que ficha, significa motivações e história pessoal, e o narrador não deveria permitir que os jogadores interpretem personagens "rasos", pois sem isso não terá como trabalhar para fazer uma história envolvente. Cabe ao narrador solicitar aos jogadores que desenvolvam personagens satisfatórios pra crônica em questão.

    4) Se a história envolve as motivações pessoais dos personagens (*pessoais* e não genéricas como salvar o mundo ou o NPC mandou; ninguém levanta a bunda do lugar se não for por questões pessoais), a proposta dos personagens está adequada e os mesmos são desenvolvidos o bastante, mas mesmo assim o jogador está ignorando o que ele mesmo se propôs interpretar, aí então é questão de tomar medidas em on (variando conforme o sistema, indo até perda de xp) para que o jogador "interprete direito", mas cuidado: você pode simplesmente ter feito suposições erradas sobre o personagem ou entendido mal a proposta/história do personagem quando planejou a crônica. Lembre-se sempre: se algum jogador está jogando com personagem assim é porque o narrador permitiu.

    5) Tudo está nos conformes e normalmente a pessoa interpreta bem o personagem, mas hoje não está saindo do lugar? Ela pode simplesmente não estar a fim. Certifique-se de que todo mundo que está jogando esteja realmente a fim de jogar (e não está ali pra ver os amigos, contar piada ou com o/a namorado/a). Cabe ao narrador guiar o jogo, também cabe a ele ter esse tipo de sensibilidade.

    6) O jogador x nunca faz bons personagens, nunca interpreta direito, nunca vai atrás dos ganchos, etc. - Não chame pra jogar. Nem todo mundo se diverte do mesmo jeito, tente conhecer um pouco o que as pessoas gostam antes de narrar e sempre respeite o ponto 5, acima.


    Resumindo, a responsabilidade da diversão não é só do mestre, mas a dele é muito maior SIM. Ele tem a "autoridade" sobre o jogo e sobre a história, ele sabe pra onde a coisa ta indo e ele decide o que pode ou não pode no fim das contas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Radhra, concordo com você que o mestre tem um papel mais importante que os jogadores. Sem ele não tem aventura. Entretanto, como o Igor escreveu, tem jogadores que por mais que o enredo seja consistente, ele destoa do grupo. A motivação dele não é aventurar e descobrir o mundo da campanha. As motivações para isso são várias: se aventurar, o personagem pode morrer, perder os seus itens, dinheiro ou ter uma perna amputada. É o típico ex-herói que se aposenta e fica num balcão de um bar recontando as suas estórias.

      Igor, a ideia que deu foi ótima. A aventura foi proposta e o jogador não embarcou, deixe-o sentado no bar bebendo a sua cerveja e cuidando da sua vida cotidiana!

      Excluir
  3. Oi Radhra

    1) Na minha mesa, ninguém vem jogar a minha estória. Nós criamos estórias em conjunto. A ideia que eu tenha criado uma estória pré-pronta quando vou jogar é muito estranha para mim. A estória nasce da interação mestre/jogadores/cenário/regras.

    2) Eu não tenho o DEVER de fazer nada. Não sou pago para isso. Eu também não tenho o direito de exigir nada dos outros. Numa mesa, o diálogo é fundamental, e a responsabilidade com a diversão é de todos. Abaixo o autoritarismo do mestre. Todo poder à democracia do GRUPO.

    3) Quem sou eu pra dizer que um personagem está pronto ou não. E quem é perfeito para fazer este tipo de avaliação e nunca estar errado? E quem sou eu pra proibir personagens "rasos". Até hoje tem gente que joga OD&D Old School e só dá nome pro PC a partir do 3º nível. Se eles fazem isso a mais de 40 anos, será que eles não o fazem porque estão se divertindo? Será que se divertir tem alguma relação com o fato de os personagens deles serem "rasos"? #afavordapluralidadedeestilosdejogo

    4) Ninguém levanta a bunda do lugar se não for por questões pessoais? Neste momento, milhares de pessoas do mundo que fizeram ações em prol da caridade choram. Tomar medidas em on? Resolver questões de jogo por meio de ações em "on" é uma solução passivo-agressiva, que implica em menos diversão pra todos. Para mim, que passo a ter que resolver um problema, em vez de efetivamente jogar. Para o jogador, que passa a se sentir perseguido pelo mestre. Para os outros jogadores, que ficam sem jogar enquanto a briguinha ridícula se desenrola. De modo geral eu tenho uma janela de menos de quatro horas de jogo, quem tem tempo pra isso? Uma solução muito melhor é conversar fora do jogo, sobre os problemas que surgem na mesa. Afinal, não somos todos amigos? "Interprete direito"? Essa expressão não é meio autoritária? Não sou formado em artes cênicas, quem sou eu para escolher quem "interpreta direito"? Eu só peço que as pessoas tentem. Narrador permitiu? Eu tenho que ficar fiscalizando se alguém fez um PC voltado para a campanha, cujo tema eu já expliquei antes? Por que? Não somos todos adultos? Se está explicado, e o resto do grupo entendeu e concordou, a menos que haja má-fé envolvida, por que alguém faria algo que não se encaixasse na campanha?

    5) Concordo quase. Acho que essa sensibilidade tem que ser de todos. Somos todos adultos. Se alguém não está querendo jogar, é só avisar que não vai aparecer. Mas eu te pergunto. Qual o problema de jogar RPG só pra estar com os amigos? Tenho vários players, acima da casa dos 30 anos, que só jogam pra ver os amigos da adolescência e por nostalgia. Normalmente são os que menos me dão trabalho com esse tipo de coisa. Como estão ali só para estar conosco, fazem questão de interagir com o cenário e os outros jogadores. O player casual? Nossa, esse é o que mais facilita meu trabalho. O hipotético mala que acha que a interpretação dele é mais importante que a diversão do grupo é que atrapalha as nossas sessões.

    6) Concordo que tem gente que uma hora não vale mais a pena chamar para jogar. Mas muitas pessoas cometem erros como os que me referi no texto, porque nunca pararam para pensar seriamente sobre isso. Nunca viram que ele, jogador, é tão ou mais importante que eu, mestre, na condução da estória.

    Sobre sua conclusão: Acho que a responsabilidade é igual para todos. Eu não tenho autoridade sobre ninguém, e ninguém na mesa de jogo tem autoridade sobre mim. Nosso jogo é uma democracia. Quem tem "autoridade" sobre o que acontece é o GRUPO e não apenas uma pessoa dele (o mestre).

    E mesmo que eu admita, por hipótese, que eu tenha mais responsabilidade. Justamente porque eu tenho mais trabalho, não será um motivo para os jogadores me ajudarem?

    ResponderExcluir
  4. Fiquei fã do post e achei sua argumentação bem contundente Leonardo. Por anos foi definido que o "Mestre" seria responsável pela diversão do grupo, RPG é jogo de interação, e como tal deve ter a participação de todos na criação da história.

    Ainda bem que essa nova leva de jogos narrativistas vem equilibrando a visão dos jogadores. Não existe maneira certa de jogar, a única coisa errada é não haver diversão.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Aí mestre Alisson, você já jogou Este Corpo Mortal ou Fiasco? Narrativa é o foco e jogador tem muito mais responsabilidade na construção da estória.

      Concordo quanto ao "Ainda bem que essa nova leva de jogos narrativistas vem equilibrando a visão dos jogadores. Não existe maneira certa de jogar, a única coisa errada é não haver diversão".

      Abs

      Excluir
  5. Concordo plenamente com o Leo e com o Bolton, a narrativa deve ser construída em conjunto, não deve ser o mestre o único responsável por trazê-la á tona. Outra coisa é que de modo algum certos conhecimentos e ganchos vão cair do céu no colo dos jogadores, eles devem "correr atrás do preju" e explorar o mundo subcriado, só assim podemos dizer que conhecemos o cenário, sem falar naqueles que ficam desvirtuando certas propostas e elementos da "estoria" por pura birra.

    Abrax!

    Luciano Tolkien

    ResponderExcluir