Spoilers. Não assistiu ainda o filme, não leia a partir daqui. Abraços.
Passadas quase duas semanas da estréia do filme, e tendo assistido duas vezes, dá para falar um pouco, agora, do filme do Padilha.
Antes de tudo, mantenho a minha opinião: É um bom filme, sim, e um reboot razoável da franquia, que andava perdida entre mutantes, jatos voadores e o filho do Murphy crescido e virando policial.
Qualquer coisa de Robocop 3 em diante era um lixo, e muita gente se esquece de quão ruim a franquia foi ficando. As animações nem digo nada, porque gosto de algumas idéias ali, mas achei a HQ do Frank Miller com o roteiro original dele um saco (questão de gosto).
Há quem pense que cyberpunk é somente violência, ou crítica social feita com violência. Apesar deste quesito fazer parte da equação, ele não é primordial. Cyberpunk fala de tecnologia e de suas consequencias na sociedade. E fala de identidade individual em meio à multidão.
O "Movimento" tem uma raiz de percepção social fortemente ligada ao anarquismo, a uma crítica ao consumismo, à dificuldade de ser alguém diferente quando se tem bilhões de pessoas ao seu redor tentando fazer exatamente a mesma coisa.
Os neuromancistas se preocupavam com ideais estranhamente romanticos (no sentido literário)com uma visão de ambientação e de crítica à dependência da tecnologia bastante contundentes.
Também era uma critica ao uso do poder financeiro e tecnológico (simbolizado pelas mega-corporações) e das privatizações como uma diminuição dos direitos de cidadania.
(Há uma fala em Robocop 2 que expressa bem isso, quando o "Velho" presidente da OCP diz que "somos extremamente democráticos, afinal, qualquer um pode comprar nossas ações". O que é uma falácia, se considerarmos que é um sistema que dá mais direitos a quem tem mais dinheiro, mas isso é outra discussão).
A escolha de Detroit como cenário dos filmes não é casual. A cidade tem, historicamente, enormes problemas de distribuição de renda, sempre foi violentissima e sempre teve um enorme antagonismo entre as classes sociais.
Hoje em dia, com as grandes empresas saindo da cidade (e do país) para montar fábricas em locais menos, hum... "preocupados com direitos trabalhistas" deixando desempregadas multidões de trabalhadores na cidade, fez com que Detroit se tornasse uma cidade deserta.
É aí que entram os filmes. Ainda que Robocop I (da decada de 80) tenha sido feito antes deste processo estar tão acentuado, foi realizado em plena era Reagan, quando as politicas economicas a lá "toyotismo" começavam a se mostrar de fato (não é a toa quem o vilão de Robocop 3 é japonês, mas isso é uma longa história).
Nos anos 80 o cinema experimentava, no pós - Vietnã, ainda, uma "liberdade criativa" com o uso de violência em filmes de ação inéditos. A violencia havia se tornado algo pessoal, desde os anos 70, com televisores trazendo os horrores da guerra para dentro de casa, com colares de orelhas e com maniacos metralhando gente dentro de lanchonetes fast-food (um fenomeno endêmico similar às tragédias de crianças atirando em colegas dentro de escolas de hoje em dia). O horror, o horror.
Começando com Rambo 1 e 2, por exemplo, mas alguns dos maiores clássicos de filmes e heróis de ação são dos anos 80 (com algumas franquias de ação durando até hoje, como Rambo, Duro de Matar e, claro, Robocop). Isso é preciso que se tenha em mente. Violência vendia bem, e violência extrema vendia extremamente bem. Ainda hoje é assim, mas na época era uma novidade.
Assim, nada mais lógico para o olhar de hoje, que Robocop tenha sido memorável nas cenas violentas. Era essa a linguagem de então para um filme ser um blockbuster e era isso que pagava o filme.
Atualmente, apesar de violência ainda vender bem, o mote é o "cinema-explosão", no estilo "Michael Bay", com cenas mais panorâmicas e abuso da computação gráfica. Mas, assim como a violencia "pessoal" dos filmes nos anos 80, muitas vezes era desnecessária para se contar uma boa história, o cinema exp´liosão de hoje em dia muitas vezes é uma perda de tempo. Ou alguém consegue ver, diguemos, Transformers 3 e afirmar que aquilo ali faz algum sentido?
No entanto, não deixa de ser curioso um ponto: Essa violencia de "video-game" atual, distante, explosiva, lembra, assustadoramente, os drones. Sob vários aspectos, esse novo formato de guerra que se configura hoje em dia não traz a violência para dentro das casas e preocupa "o cidadão de bem". (E não, nem de longe a culpa é dos games, eles são parte do fenômeno, uma expressão do que vem ocorrendo, não a causa do problema).
Os drones são uma expressão deste novo fenômeno de violencia. Assim como em Robocop original, cenas de desmembramento e derretimento por acido eram uma expressão da época, que exorcisava certos demonios, uma crítica mais severa ao tipo de guerra travada hoje em dia é relevante.
Daí a obra do Padilha ser fundamental, por razões diferentes da do original, sem ser panfletária.
Ele disse, na cara dos americanos, com o dinheiro de grandes estúdios americanos, e nos cinemas americanos, que eles são um bando de imperialistas, que o tipo de proposta e resolução para o mundo que eles propõe, não é apenas "nada democrática", mas uma ação de marketing, manipulativa e agressiva.
O que mais me assustou no filme não foram os drones, no entanto, mas o uso extensivo de câmeras por todos os lugares. Não há mais espaços privados na cidade, tudo é vigiado por câmeras e, esse é o pulo do gato aqui, o filme foi produzido até mesmo antes das denuncias sobre o abuso de autoridades americanas na vigilância e espionagem de todos e qualquer um no mundo. Tio Obama certamente está "lendo" esta postagem. E pior, sabe que VOCÊ está lendo também. Legal, né? Dêem um olá para a NSA.
Enfim, cada filme pescou, sim, o espirito de suas respectivas épocas.
Robocop Original fez isso de forma muito mais ostensiva, e por isso será sempre um clássico, enquanto o remake/reboot atual possivelmente vai ter uma ou duas continuações (possivelmente mais violentas) mas sem virar um clássico das mesmas proporções.
E tudo bem. O filme cumpriu sua parte. Diverte, traz alguma reflexão e crítica e vale o ingresso. Sem ser o desastre que foi outra refilmagem de Paul Verhoeven, "Total Recal".
Por mim, eu dou um dolar por isso.
Faça de preto, é mais tático:
Além disso, o novo Robocop é quase um meta-filme sobre ações de marketing. A preocupação do presidente da empresa não é mais a violencia nas ruas, mas como vender bem seu produto, como fazer a população achar que quer seus produtos. Isso dito por um ex-Batman. Padilha dizendo que o filme é "um filme brasileirio" aqui, por exemplo, e o ator do filme usando uma camiseta do Flamengo, a antecipação midiática ao filme, jogos, sites, e videos sendo cuidadosamente lançados na rede. Uma das grandes sacações foi o filme quase ter sido lançado primeiro aqui no Brasil. Porque o estúdio aceitou uma reinvindicação do diretor? Não, porque aqui o filme estava sendo mais bem aceito que lá fora, e se sapisse aqui antes poderia ser que fosse
melhor recebido lá "acabou não rolando, de qualquer forma).
Não é só Robocop faz ações de marketing, aliás, mas pelo menos é honesto (em termos) reconhecendo que a roupa preta faz parte disso. em um shopping aqui na Tijuca tem um boneco do Robocop, de preto, claro, para as pessoas tirarem fotos ao lado.
A ironia da coisa toda é divertida, desde que se dê conta.
Brega Presley
Preciso lembrar de voltar a este post depois de ver o filme... Rs
ResponderExcluirCamisa do Fla onde?
ResponderExcluirRicconit: olha esse link: http://entretenimento.band.uol.com.br/famosos/noticia/100000664334/ator-de-robocop-passeia-em-praia-do-rio-de-janeiro.html
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