quinta-feira, 19 de junho de 2014

O Que as Crianças Jogam?

(para a segunda parte deste artigo, vá no link do texto "O Que os Adolescentes Jogam?"
Tenho o privilégio de jogar com a molecada desde 2012 em um colégio aqui no Rio de Janeiro.

O projeto, chamado Oficina de RPG (não confundir com o projeto do Daniel Santanna, que foi batizado de modo independente e tem outro foco e publico alvo, e a qual recomendo)foi criado para levar jogos para a molecada que, de outro modo, não conheceriam uma porção de coisas bacanas, e porque é divertido.

Acontece que, por ser um pouco mais velho que a média dos jogadores de RPG (não sou o único e nem o maior dinossauro, mas na média sou mais velho que a maioria), tive filhos antes, um pouco e comecei a apresentar jogos para meus filhos, sobretudo o mais velho, agora com 12 anos, e RPGista desde os 4.

O problema, desde  o início, era saber o que filhos de outras pessoas fgostariam de jogar.

Como nesse período já consegui acumular um pouco de experiência do tipo de coisas que eles me pedem, acho legal apresentar o que tem sido observado.

A listagem abaixo é, sem dúvisa, não apenas fruto dos desejos deles, mas também do que eu posso oferecer. Ainda que conheça e já, tenha mestrado dezenas de jogos, sobretudo a partir do Saia da Masmorra, tem coisas que fogem da minha competência técnica (Naruto, por exemplo) ou que eles gostam porque eu gosto e conheço mais (como cyberpunk).

Mestres diferentes podem ter listagens bem diversas.

Vou dividir em três grupos de faixa-etéria e comentar abaixo:

Grupo A: Até 8 anos:

Particularidades: A molecada nessa idade tende a pedir em grande parte o que assistem na TV e no cinema. Por questões de desenvolvimento e concentração, os jogos funcionam melhor com regras mais simplificadas, como os com 3 ou 4 atributos básicos, mecânica bem simples e aventuras de 1:30 a duas horas de duração, no máximo.


Outro problema é que a molecada nessa idade ainda tem um vocabulário em construção e muitas vezes ainda estão aprendendo a ler e escrever.


 Ainda que a imaginação corra solta, ela tende a ser "Chaotic Neutral", ou seja, ela é cheia de energia, mas solta demais quando se deseja acomodá-la em uma estrutura com um pingo de nexo por mais de meia hora.

Isso requer do mestre disciplina acentuada (dele, não delas) e um bom domínio no lidar com a molecada. O mestre não pode ser nem tão travado a ponto de FORÇAR um enredo na marra, nem displicente demais com as fugidas, a ponto da mesa virar um emaranhado onde elas não dialoguem entre si.

A melhor dforma de se fazer uma mesa assim funcionar é a de dar dados de realidade nos primeiros encontros, do tipo "olha, se seu personagem pular dessa altura da janela ele pode machucar a perna. VOCÊ consegue se imaginar caindo dessa altura e não se machucando? Pois é, vamos pensar outra saída?".

Ao mesmo tempo, algumas vezes eles tem soluções especialmente divertidas. Em uma mesa de temática medieval, um aluno resolveu "fazer xixi" em uma armadura de um inimigio para a enferrujar. Em uma mesa de adultos eu não deixaria isso funcionar, mas para aquele grupo e aquele jogador, essa foi uma solução extremamente criativa, que usava dados de realidade (agua salgada, de fato, enferruja as coisas), ainda que um pouco imediatista demais. Eu deixei e passei a guentar "xixi" em armaduras algumas aventuras enquanto era novidade.

A função de um mestre não é a de impedir a imaginação, mas sim a de ajudar a dar um formato minimamente organizado da mesma.

Essa turma é divertida, com uma certa tendencia a testar  os limites das regras (sociais e de jogo) mas cooperam bem entre si.

Eu evito "matar" personagens nessa faixa etária. Coloco eles em coma, desmaiados , o que for. a tendência é de que a morte de um personagem seja ainda mais complicada de se elaborar.

Eventualmente deixo eles acrescentarem detalhes, como descrever a roupa de um inimigo ou narrarem o prato que vão comer em uma taberna ou lanchonete. Isso torna o jogo mais "deles", faz com que se apropriem da aventua, o que é sempre bom.

Jogos de RPG Escolhidos: Os jogos pedidos até agora (são os alunos mais novos que já tive e separei eles em uma de somente três alunos, porque tem dinâmica própria) as aventuras até agora foram:


-Minions RPG
-Kung Fu Panda
-Tartarugas Ninja
-Piratas do Caribe
-Percy Jackson
-Naruto (esse ultimo não tive como fazer).

Jogos de Tabuleiro/ Outros:
Ao mesmo tempo, tenho levados outros jogos. "Histórias" (jogo de cartas similar a Dixit), "Sim, Mestre das Trevas, Yatzie (um pouco dificil ainda para elees, mas deu para jogar sem dificuldades) foram minhas escolhas. Todas funcionaram muito bem, com pequenos ajustes.
-Com egras BEM simplificadas, tentei essa semana o Ricochet Robot" e o jogo de cartas do Hobbit. O jogo de cartas foi divertido, mas um pouco monótono. Já o Ricochet (um jogo de raciocínio matemático), com regras extremamente simplificadas, foi interessante, mas ainda um pouco difícil. Eles se divertiram, mas não é uma opção para ser levada outra vez tão cedo.

Grupo B: 8 até 10 anos:
Particularidades: Alguns dos jogadores começaram a jogar comigo com 7 anos e estão agora com 9 ou 10. É um dos grupos mais prazeirosos com quem jpa joguei porque, em parte, são uma molecada muito legal (a anterior é bem legal, mas um dos alunos é meu filho caçula, o que me torna suspeito), mas principalmente porque já os conheço faz um tempo maior, e eles já conhecem a mim. Isso facilita muito saber o ritmo de cada um, trazer elementos que eles curtam e nivelar os desafios para coisas que nem sejam obvias e nem difíceis demais.

Novamente, nesse caso, há uma enorme preferência por ambientações conhecidas, como Percy Jackson e,  mais pedida, Harry Potter. Para adaptar tais ambientações uso muito como base o antigo "Storytelling" (Pecy J.) e as regras do Wild West Cinema adaptadas.

Eu não vejo problemas com isso. Por mais que possam alguns dizer "Ah, mas isso é cultura massificada", a realidade deles é essa. Acho extremamente importante trazer outros elementos da cultura (vide a excelente mesa do Prof Jorge Dos Santos Valpaços , no último Joga Mitá), mas há uma questão de "elaboração" do que é recebido que acho necessária.

Explico: Quando um aluno pega uma ambientação de um "Percy Jackson" e se coloca nessa história, de certa forma isso permite que ele a transforme em sua, adicionando elementos de sua realidade e gosto. ele deixa de ser um consumidor passivo e passa a ditar em uma aventua seu ritmo, seu pesom, pode tomar decisões que os personagens dos livros ou filmes jamais tomariam. A ambientação passa a se r um pouco sua. E isso é positivo, porque ele pode, a partir daí, ter uma relação criativa com a cultura massificada, em vez de só aceitar o que é enfiado pela "caixinha de fazer maluco" (como meu pai chamava a TV).

Seguindo: O pior jogo que tive com eles foi com um bom RPG, "Cats" (John Wick), simplesmente porque a imaginação deles correu solta demais e foi muito difícil moldar o que eles iam criando em algo com algum sentido. A turma , na época, até gostou, mas foi uma mesa extremamente cansativa, para mim e para eles.

Assim, fica a dica: Se não conhecer um grupo (eu não conhecia) use um sistema BEM quadradinho. Eu tive resultados muito melhores com "Aventuras Fantásticas" com esse grupo, por exemplo, no começo. Uma estrutura de masmorras, por exemplo, que direcione a ação e permita que a imaginação possa para onde correr, pode ser melhor até eles internalizarem alguns comportamentos em RPG.

Novamente, apesar de maior ênfase em RPG, levo jogos de tabuleiro para eles. E, como acima, algumas coisas são experimentadas e ajustadas para eles, simplesmente porque nem sempre o que vem na caixa é a reladidade para cada grupo. Allgumas vezes a gente acerta em cheio, outras erra, mas isso faz parte de uma relação com crianças que estão crescendo e com gostos e capacidades em desenvolvimento.

No caso de "Harry Potter" as aventuras são um pouco sombrias. Elas funcionam, mas eu tenho de segurar, e muito, a mão para ajustar o nível de medo sem dar pesadelos em ninguém.

Há outro fator a se considerar aqui: A molecada pode querer fazer umas coisas meio violentas. Se isso assusta você é porque não se lembra de, com 10 anos de idade, querendo ver o Rock Balboa ou afins. Faz parte e é uma característica RELEVANTE do desenvolvimento. Recomendo o excelente "Brincando de Matar Monstros" (Gerard Jones) sobre o assunto.

Agora, o problema é que, primeiro, violencia é algo meio complicado. Há os pais, que podem ficar preocupados, ok, mas sobretudo há eles próprios que nem sempre consideram "tranquilas" cenas de mais porradaria na mesma medida. o que é um fator chocante para um nem sempre é para os demais.

Uma coisa que todos eles adoram é derrotar inimigos "chutando as partes íntimas" (Sic). Seja  um robô, um minotauro ou um gigante de gelo. ´E o tipo de coisa que permito, primeiro porque é uma coisa deles e que, entre eles, há o comum acordo de que é normal e divertido. As meninas jogadoras tem isso quase como um mote (feminismo para crianças, nada contra, hehehe) E em segundo porque não é contra outros jogadores e nem descrito demais. Pode parecer eufemismo, mas é um pouco diferente "usar uma espingarda e varrer os miolos do calhorda por toda a parede" de "chuto as partes intimas dele  e aproveito para fugir".

Lista de alguns dos RPGs já levados
-Cat (John Wick)
-Aventuras Fantásticas
-Old Dragon (foi bacana, mas definitivamente não dou certo com dados de 20 lados)
-Dragon Age (funcionou, para mim, melhor que OD, mas isso pode ser questão de estilo de mestre).
-Cybergeneration (aventura beeeem simplificada e leve)
-Cyberpunk 2020 (eles queriam conhecer, mas tive de dar uma enorme volta para evitar cenas muito sanguinolentas)
-Ninja Burguer (diverttido, mas foi uma mesa com 8 crianças o que tornou as coisas confusas).
- Goonies X Dracula (usei elementos de Goonies e de um filme da época chamado "Monster Squad).
-Star Wars (que as meninas torceram o nariz, mas depois acabaram curtindo)

As duas mesas principais, que são as mais jogadas são:
-Harry Potter (adaptação) - eles curtem o clima de terror e mistério que é possível fazer com a ambientação, a longa lista de magias, etc.
Percy Jackson - adaptação que me permite contar coisas de mitologia e que tem um clima de aventura e investigação passadas no nosso mundo. A melhor adaptação que fiz para eles, em minha opinião.

Boardgames e afins:
-Munchkin
-Car Wars (fraquinho, não recomendo)
-Dixit

Depois falo um pouco dos jogos com a molecada de 11 ou mais.

Abraços

"Tio" Brega.

3 comentários:

  1. Salve Dungeon Master! Achei muito interessante, tanto o post quanto sua iniciativa de levar rpg para escola, tambem tenho em mente fazer algo assim no futuro! Mas ficou uma duvida pra mim, o horario que vc joga com eles, é apos as aulas ou em um horario durante as aulas? Outra coisa que eu queria pedir é mais explicações de como mestrar para crianças de 4 a 6 anos, sai um pouco do foco mas vc disse que iniciou seu filho nessa faixa etaria e eu tenho um garoto com essa idade e tenho vontade de começar a jogar com ele.

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  2. Fala Herbert! Antes de tudo, manda bala no que pretender fazer, que é bem legal.

    Eu jogo com eles em quatro tempos diferentes: Tenho uma turma de segunda de tarde, dos "mais velhos" como atividade extra curricular (13:30 - 15:30)., com os pequenos (até 8 anos) de segunda de noite, também como atividade extra curricular, das 17:45 até 19:30. Com ou de 8 a 10, de quarta de noite, das 17:45 até 19:15 (todas como atividade extra classe). A exceção é a turma de sexta -feira, com o horário das 13:30 até as 15:10, que são alunos de horário integral da escola. em todos os casos acima as aulas são bem mais curtas que uma mesa normal, o que ocorre por questões de horário da escola. Entretanto, no caso das crianças mais novas, 1:30 a duas horas é o ideal. na minha o´pinião, porque mais do que isso eles não conseguem manter a concentração (com o tempo até vão conseguindo, mas de início é um bom horário para a atividade).

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  3. Em relação a RPG para criança de 4 anos: Foi com meu filho mais velho, e fiz uma aventura bem simpes, com poucos elementos. Não é muito fácil e nem recomendável na maior parte dos casos, mas com ele, por acaso funcionou. Com meu filho caçula, antes dos 6 anos, não rolou, por exemplo.

    A aventura era com um cavaleiro que precisava atravessar uma floresta e entrar e derrotar um monstro em um castelo. foi uma aventura de cerca de meia hora, com puquissimas coisas acontecendo e com coisas que ele conhecia. ele, por exemplo, já sabia movimento de peças de xadrez nessa época, então para abrir um portão ele tinha de fazer um cavalo parar no quadrado certo, ou algo assim, se n~çao me engano.

    Com meu filho caçula a primeira mesa de brincadeira foi usando ninjas e um cachorro "fantasma" que ele usou para resolver uma corrida em uma rua. Foram, em ambos os casos, divertido, mas aventuras rapidíssimas e só foram possíveis porque já sabia o que eles conheciam e gostavam.

    Na maioria dos casos, começar antes dos 7 anos é beeemmm complicado. Idealmente, aos 8 já dá para começar a fazer algo com um pouco mais de tranquilidade, mas comece com coisas bem simples até para conhecer os limites e habilidades de seus jogadores.

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