quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Interface Zero: Atualizando os Parâmetros do Cyberpunk

Posso ficar um tempão falando de cyberpunk se me deixarem (séio, não deixem).
Mas aqui vou falar só um tempinho.

O termo original para se referir a este estilo literário de ficção cientifica era somente "O Movimento", mas também os autores usavam termos para se referenciar a si mesmos como "Neuromancistas", Alfredo Sirkys, autor da primeira obra nacional no gênero, se refere  ao gênero como "Ficção Científica Noir" (termo aplicado ao seu romance, "Silicone XXI", dos anos 80).

O termo que ficou foi Cyberpunk. cunhado tanto pelo editor Gardner Dozois, quanto pelo autor Bruce Bethke (confesso que este último eu não sabia até pouco tempo - e se já soube, tinha esquecido), e se refere à Alta Tecnologia que o cenário propõe em contraste com o estilo de vida absurdamente ruim (ou "High Tech, Low Life").

Enquanto continua a ler, som na caixa com "Telematica" (China)

Ainda que implantes variados sejam uma constante neste tipo de cenário, eles NÃO SÂO a essência cyberpunk. A discussão sobre corpo e identidade são somente uma das discussões possíveis permitidas por tal abordagem. Nesse sentido "Mad Max" não é exatamente cyberpunk porque o "Low Life" está ali presente, mas não o "High Tech", e embora eu considere dentro do gênero, porque a literatura cyberpunk é, antes de tudo, uma poderosa forma de criar distopias em um futuro próximo como forma de crítica social, nem todo mundo concorda. É a vida.

Outro elemento comum, mas nem sempre presente, é a realidade virtual. Filhote tecnológico de propostas do movimento hippie de se expandir os horizontes sensoriais e de consciência a partir do uso de drogas (como o LSD), a realidade virtual e um mundo conectado à rede de computadores foi uma das previsões mais acertadas de todos os tempo (sim, já existia internet, mas seu uso tão difundido e a experiência de imersão em cenários era algo que pouco se sabia).

Pesa no caso das drogas e da discussão sobre corpo e identidade a mão santa de Phillip K. Dick, que ainda que não seja cyberpunk em essência mais pura, é tão próximo disso que chega a dar raiva. Se ele tivesse vivido alguns anos a mais certamente teria feito algo mágico para o tema.

Depois de tooodo esse preambulo (eu disse que é má idéia me deixar falar sobre o assunto) vamos ao que interessa aqui:

RPG CYBERPUNK:

No final dos anos 80 e começo dos anos 90 surgiu uma pequena jóia chamada "Cyberpunk 2013", que foi revisada e se tornou "Cyberpunk 2020". Este, e não Shadowrun (já falo deste excelente RPG), foi o sistema que melhor definiu o gênero literário para as mesas.

E não Shadowrun porque SR é melhor definido como "Fantasia Urbana" ou, termo que prefiro, "Shadowpunk". E isso porque o que torna o cenário mais interessante para muitos jogadores (eu inclusive, não sou hater do treco) é a possibilidade de magias e personagens não-humanos. Isso é legal, mas o problema é que tira o foco das relações entre tecnologia e sociedade, fundamentais para se entender os conceitos de cyberpunk (mesmo Mad Max usa isso ao discutir sobre como o uso de tecnologia transformou o mundo em um deserto e seus habitantes em criaturas violentas). O mesmo se passa com Kuro e Dark Conspirancy - novamente RPGs excelentes e que jogo feliz, mas que fogem ligeiramente do foco "sociedade x tecnologia" para cenários mais sobrenaturais.

E vou reforçar: Shadowrun é um jogaço. Mas assim como D&D é um jogo de Fantasia Medieval, SR é um jogo de "Fantasia Cyberpunk".. Usa elementos do mesmo (e muito bem), mas tem outros focos e objetivos.


A "VOLTA DO CYBERPUNK"???

Daí que chegamos a "Interface Zero", que está em FINANCIAMENTO COLETIVO, E tem sido anunciado por diferentes colegas blogueiros como "cyberpunk de volta".

Quanto a isso vou discordar, O Gênero, tantas vezes dito como "morto" continua forte como nunca no campo das idéias. Alias, não apenas na ficção, mas se considerarmos elementos sociais, como desigualdade social, fetiche por novidades geek, redes sociais, implanetes cibernéticos ganhando fôlego, multinacionais e luta por direitos civis, somosnós, agora, os cyberpunkers.

Quer exemplos? 
Que tal "alunos protestando contra fechamento de escolas em São Paulo" no mesmo mês que uma "multinacional mineiradora causa uma catastrofe ambiental" em Minas Gerais e "terroristas executam pessoas a tiros em Paris" - para depois vermos bombardeios franceses"errando" alvos e matando dezenas de inocentes no oriente médio.

Tudo isso enquanto assistimos as pessoas se degladiando por ofertas de eletrodomésticos e sabão em pó nos Black Fridays e Guanabaras do mundo. E isso tudo bombando em redes sociais.

No Brasil temos autores como Leo Lopes e seu "Rio: Zona de Guerra" fazendo tão bonito quem está em processo de virar filme via Hollywood. Um "Cyber Brasiliana" de Richard Diegues, um "Rio: 2054", de Jorge Lourenço,  e propostas como o "Cangaço Punk" de Hudson Caesar, trazendo o cenário de um futuro apocalíptico em uma releitura do cangaço brasileiro, entre outros.

Temos pensadoras como Adriana Amaral, ou em toda a AMERICA LATINA, como aponta Rodolfo Londero. Temos Lídia Zuin fazendo bonito em textos sobre cyberpunk,

Temos musicas geniais como "Telemática" (de um cantor chamado "China", ou do, igualmente excelente Emicida, vejam os vídeos acima e atenção nas letras).

Cyberpunk nunca foi embora. Por isso não "voltou". Continua atual. E por causa disso é que este tipo de jogo é tão fundamental hoje em dia.

Jogar RPG, por mais lúdico que seja, tem uma função interessante: Nos ajuda a pensarmos o mundo.
Mestro o bom e velho Cyberpunk 2020 desde o começo dos anos 90. Neste tempo todo NUNCA deixei de ter situações sociais ou tecnologias novas para trazer para minhas mesas.

O problema é que cyber 2020 está velho. Excelente jogo "retrô", mas que contém bizarrices para os
dias de hoje como internet discada, fitas de vídeo e uma noção de internet baseada mais em "Bancos de Dados" do que na anarquia que sites de busca e internautas variados produzem em termos de tráfego de informações e produção de conteúdo.

Atualizações como as realizadas em Shadowrun ajudam, mas, nisso concordo, o mercado de RPG nacional estava devendo um jogo de RPG mais atualizado com a tecnologia dos últimos 25 anos.

É aí que entra a beleza de INTERFACE ZERO

Usando o excelente sistema de "Savage Worlds" (e possivelmente, FATE, um dia), o jogo atualiza a interação com a tecnologia virtual, com um sistema de hackeamento funcional e modafocka (o de gurps cyberpunk tem virtudes exageradas - motivadas pelo mal-entendido com o FBI - mas ainda assim tem coisas interessantes)., como novos conceitos de implantes e arquétipos de personagens (por exemplo, engenharia genética), armas e ambientação.

Cyber 2020 é um excelente jogo para o que ERA cyberpunk nos anos 80 / 90. Interface Zero e um excelente jogo para o que é o Cyberpunk HOJE, com novos desafios tecnológicos, novos parâmetros mundiais,

Vejam, cyberpunk é um gênero de um futuro "próximo" (2090, no caso de Interface). Quando jogamos 2020, hoje em dia, eu tenho de fazer alguma ginastica, por exemplo, chamando o 2020 do jogo de uma "realidade paralela" para dar certo. Ameaças constantes no jogo, como os "soviéticos" hoje em dia parecem tão absurdas que tenho de esquecer boa parte do contexto mundial para as mesas funcionarem. Conheço mestres que fazem o mesmo em parte da ambientação de Shadowrun.

Cyberpunk fala de distopias. E como tal, funcionam melhor se estiverem logo ali, virando a esquina (há exceções, mas não vou falar delas aqui).

Os parâmetros máximos de 2020 eram "Tron", "Jogos de Guerra", Blade Runner, Rollerball (que é pré-cyberpunk, mas o original da decada de 70 é recomendado).

Não havia Matrix, jogos online com multiplos jogadores, não existiam redes sociais, o codigo genético humano não havia sido "lido" (o que levava a parâmetros em genética diferentes dos que temos hoje). A AIDS era um problma não apenas sério, como hoje em dia, mas sem tratamento algum.

Então, entendam, é necessário se atualizar cenários cyberpunk a cada década ou duas. A tentativa de Mike Pondsmith de fazer um "cyberpunk 203X" foi horrivel (e agora podera funcionar com o promissor game "cyberpunk 2077", mas vamos ver).

Por isso, joguem Cyberpunk como temática. E, sugestão de quem joga esse treco há mais tempo do que muitos tem de alfabetização, conheçam Interface Zero. Ajudem a financiar o jogo porque nossas mesas precisam ser atualizadas para que jogos melhores possam sair disso.

Porque é necessário. Porque é bacana.

Abraços (o link do financiamento coletivo está no texto, mas repito aqui) :
INTERFACE ZERO - FINANCIAMENTO COLETIVO

Contribuam.
Leiam.
Joguem.
E sobretudo, Divirtam-se!

Abraços

Tio Brega, o fan-boy cyberpunk  amigo da vizinhança.

4 comentários:

  1. Que texto lindo. Sério, isso merece ser lido por todo jogador de RPG!

    ResponderExcluir
  2. Arrumei uns errinhos. Ainda preciso fazer uma postagem sobre o cenário em si, mas isso fica para depois, que a prioridade é o financiamento sair, senão não tem livro.

    Um dos responsáveis o Felip Cunha, é bem conhecido do pessoal aqui no Rio e em outras cidades. Tudo o que tem saido com os cuidados dele tem sido excelente (desculpem os outros do Pensamento Coletivo, que não cito por não conhecer, mas corrijo o erro em breve)

    ResponderExcluir
  3. Gosto de me referir à Mad Max como uma "distopia retropunk".

    ResponderExcluir
  4. Postagem excelente, muito boa, parabéns. Eu como rpgista e amante de Cyberpunk (amo esse gênero des de quando ainda nem sabia direito o que era) estou participando do financiamento coletivo, divulgando para amigos e rezando para dar certo.

    ResponderExcluir